Oposição propõe que FSB ajude municípios

Num contraponto ao esforço do governo Luiz Inácio Lula da Silva para agradar prefeitos em ano pré-eleitoral, a oposição decidiu assumir de forma mais agressiva a bandeira dos municípios por reposição de perdas impostas unilateralmente pela União à arrecadação tributária dos três níveis de governo. Um passo nesse sentido foi dado ontem pelos principais líderes oposicionistas na Câmara, ao apresentar ao presidente da Casa, deputado Michel Temer (PMDB-SP), dois projetos de lei para assegurar tal reposição, usando, se preciso, a reserva repassada em 2008 ao Fundo Soberano do Brasil (FSB).

José Anibal (PSDB-SP), Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Fernando Coruja (PPS-SC) propuseram ainda um terceiro projeto, para reduzir restrições de acesso das administrações públicas locais ao crédito do sistema financeiro.

Num alardeado encontro nacional com prefeitos, em fevereiro desse ano, o presidente Lula anunciou uma série de concessões aos municípios. A principal delas foi a criação, por medida provisória, de um novo programa de parcelamento de débitos municipais em atraso com a Previdência Social, em até 240 meses. Como saiu diferente do reivindicado (a começar pela taxa de juros, que ficou a Selic e não a TJLP). a MP acabou virando alvo de queixas dos prefeitos ao Congresso, onde brigam para alterá-la.

Ainda que as demandas relativas ao relacionamento com a Previdência tivessem sido atendidas, isso dificilmente teria aplacado a recente onda de protestos contra a queda dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), mecanismo por intermédio do qual a União partilha com esses entes 23,5% do produto da arrecadação dos Impostos de Renda (IR) e sobre Produtos Industrializados (IPI).

Conforme a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), convertidas a preços de março de 2009 pela inflação do IPCA, antes do desconto para o Fundo da Educação Básica (Fundeb), as transferências constitucionais relativas ao FPM somaram R$ 11,851 bilhões no primeiro trimestre desse ano – período em que são de 22,5% do IPI e do IR (já que a entrega do um ponto percentual a mais, que soma 23,5%, é toda concentrada em dezembro). Essa cifra representou perda real em torno de 6,4% em relação a igual período de 2008, quando, pelo mesmos critérios (valores atualizados até março pelo IPCA, brutos de Fundeb e sem o adicional de um ponto), os municípios receberam da União R$ 12,674 via FPM.

Os Estados também recebem parcela do IPI e IR, no caso 21,5%. Como a base de partilha é a mesma, os repasses ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) tiveram queda real na mesma proporção. A queda é atribuída, em parte, à crise eclodida no último trimestre de 2008, a partir da crise mundial de crédito, o que provocou desaceleração da atividade econômica e queda de receitas fiscais também no Brasil. Mas há um outro fator. Para combater a crise e tentar devolver algum dinamismo à economia, o governo Lula tem feito, desde fins de 2008, desonerações tributárias principalmente sobre impostos partilhados com Estados e municípios.

Atenta, a oposição agora busca canalizar esse descontentamento para apoio a projetos de sua iniciativa na Câmara. A primeira das duas novas propostas apresentadas ontem é um projeto de lei que obriga a União a entregar a cada participante do FPM e do FPE, em 2009 e 2010, montante igual ao que entregou em 2008 corrigido pelo IPCA. Havendo diferença a menor, portanto, a complementação seria obrigatória. No primeiro trimestre, por exemplo, só para os municípios, teriam que ser complementados R$ 823 milhões a preços de março. Para o ano todo, o líder José Anibal estima complementação próxima de R$ 7 bilhões, incluindo Estados e Distrito Federal.

O segundo projeto viabiliza o recurso necessário ao ressarcimento previsto no primeiro, permitindo que, para tanto, o governo federal saque parte dos R$ 14,22 bilhões que colocou no Fundo Soberano do Brasil, no final de 2008. Anibal defende que ajudar as prefeituras é uma boa forma de o FSB exercer o papel anticíclico para o qual foi criado. O terceiro projeto, que é de lei complementar, proíbe o Conselho Monetário Nacional (CMN, formado pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento e pelo Banco Central) de impor aos bancos limites de crédito ao setor público ainda mais restritivos do que os já previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal e nas resoluções do Senado. Há municípios que teriam limite de endividamento pelos critérios do Senado e da LRF mas que não conseguem empréstimo porque o CNM impõe restrições do lado do credor, em se tratando de tomador público.

O líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), criticou os projetos da oposição. Ele até concorda que o governo deve estudar algum socorro às prefeituras mas não aos moldes do proposto ontem. Para ele, a proposta é "demagógica e inexequível" porque ignora que a crise atinge a todos, inclusive União e setor privado e não só Estados e municípios. Sobre o uso do FSB, ele acha que a proposta distorce o papel do fundo, que é para garantir investimentos da União. O deputado Maurício Rands (PT-PE) lembrou que o FSB precisa ser reservado, entre outras motivos, para atender parte dos R$ 20,5 bilhões de subsídios que o Tesouro Nacional se comprometeu a conceder ao programa habitacional 'Minha Casa Minha Vida', anunciado no dia 25.

Rands acha que uma alternativa é o governo reduzir sua meta de superávit primário já em 2009, para poder gastar com ajuda aos municípios. Ele reconhece que, para tanto, o governo teria que mandar ao Congresso um projeto de lei mudando a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Pela LDO, do superávit total do setor público, fixado em 3,8% do Produto Interno Bruto, cabem ao governo e suas estatais 2,85% do PIB, meta que cai para 2,35% na hipótese de execução de determinado grupo de investimentos (os do PPI). Supondo execução do PPI e abatimento da meta, cabe ao governo, no âmbito do orçamento fiscal e da seguridade social, fazer superávit de pelo menos 1,65% do PIB este ano. É esse percentual que Rands defende reduzir. Ele não tem dúvida sobre a adequação de tal proposta para a economia num momento de crise, "em que todo o mundo está flexibilizando suas políticas fiscais". Mas admite que seria difícil convencer a área econômica do governo, de quem depende a iniciativa de um eventual projeto de alteração da LDO.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Política.
Jornalista: Mônica Izaguirre, de Brasília.