Hoje, exatamente dois meses após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 62, que alterou a forma de quitação dos precatórios pelos governos, o Supremo Tribunal Federal (STF) se reúne para analisar a constitucionalidade da mudança nas regras de pagamento das dívidas da União, Estados e municípios. Com um detalhe: a alteração na Constituição que deve passar pelo crivo da Corte não é a realizada em 10 de dezembro do ano passado, mas uma anterior, promovida há dez anos pela Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000. O atraso de dez anos no julgamento da Emenda 30 e sua colocação em pauta – logo após a nova emenda ter sua constitucionalidade também questionada em duas ações – levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a pedir que o Supremo ignore as regras processuais e julgue a validade das duas emendas ao mesmo tempo.
Os ministros do Supremo chegam ao plenário da Corte hoje tendo em mãos um memorial da OAB com um pedido para que as quatro ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) – duas contra a Emenda 30 e duas contra a Emenda 62 – sejam julgadas simultaneamente. Segundo o memorial, entregue aos ministros na segunda-feira, "estamos em 2010 e sequer a constitucionalidade da segunda moratória de 2000, objeto deste julgamento, foi pacificada através dos anos e já temos em vigor uma nova moratória, esta ainda mais letal e sofisticadamente inconstitucional". Com o argumento de que se trata da "insegurança jurídica e legislativa no seu ápice", a OAB pede "que o Supremo promova o julgamento simultâneo das Adins".
Na pauta de hoje do Supremo há quatro processos que questionam a constitucionalidade da Emenda 30: duas Adins, impetradas pela OAB e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), e dois recursos extraordinários propostos pelo município de São Bernardo do Campo e pela Universidade Federal do Paraná. As Adins alegam ser inconstitucional o artigo 2º da Emenda 30, que permitiu o parcelamento dos precatórios decorrentes de desapropriações em dez anos, inclusive para os já expedidos na época em que a emenda entrou em vigor e para as ações ajuizadas até 1999. Já os recursos contestam a incidência de juros de mora e de juros compensatórios sobre os valores dos precatórios devidos.
Se o Supremo julgar inconstitucional a Emenda 30, todos os parcelamentos feitos nos últimos dez anos perderiam a validade. O problema é que há precatórios parcelados em 2000 que já foram quase totalmente quitados – como o emitido por conta da desapropriação da área onde hoje está o parque Villa-Lobos, na capital paulista, cuja nona e milionária parcela foi paga em dezembro. Reverter situações como essa seria praticamente impossível.
Durante os dez anos de tramitação no Supremo, as ações contra a Emenda 30 mudaram de relator e tiveram longos pedidos de vista. A ministra Ellen Gracie pediu vista em 18 de fevereiro de 2002 e devolveu o processo apenas em 9 de julho de 2004, enquanto o ministro Cezar Peluso ficou com os autos em seu gabinete de 2 de setembro de 2004 até 3 de julho do ano passado. A demora foi tanta que a emenda já foi revogada – pela Emenda 62, que entrou em vigor em dezembro. Ou seja, qualquer que seja a decisão do Supremo tomar, ela só valerá para pagamento já feitos de precatórios. Por conta disso, advogados não acreditam que os ministros julguem as ações contra a Emenda 30. O advogado Nelson Lacerda, do escritório Lacerda e Lacerda, acredita que a Emenda 30 só será levada a julgamento hoje para "limpar a pauta" do Supremo.
Por outro lado, para julgar hoje as novas ações ajuizadas contra a nova Emenda 62 pela OAB e por associações de juízes – motivo do memorial entregue pela Ordem aos ministros -, o Supremo teria que passar por cima de regras processuais, já que as ações tratam de leis diferentes. Ainda assim, a entidade espera que a Corte sinalize soluções para o problema das dívidas de Estados e municípios. Na Adin que ajuizou no tribunal, cinco dias após a entrada em vigor da Emenda 62, a OAB incluiu pedidos como a realização de audiência pública para discutir o tema e documentos sobre soluções de mercado que permitam a circulação dos títulos – como a criação de um fundo de infraestrutura com precatórios.
O ministro relator da ação, Carlos Ayres Britto, pediu a todos os tribunais do país informações sobre os precatórios pagos nos últimos dez anos e as dívidas pendentes e a todas as secretarias estaduais de Fazenda os valores de suas receitas para levar o caso a julgamento no plenário. Diante do volume de dados, isso pode demorar anos, gerando entre advogados o temor de que o julgamento da Emenda 62 siga o mesmo rumo da Emenda 30. Para o advogado Nelson Lacerda, "o Supremo colocou o bode na sala".
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Legislação & Tributos.
Jornalista: Cristine Prestes, de São Paulo.