A presidente Dilma Rousseff estuda rever o posicionamento sobre duas das principais demandas do Congresso que geraram insatisfação na base aliada nesses primeiros meses de mandato: o decreto que cancelou parte dos restos orçamentários a pagar e o empenho (promessa de despesa) de recursos provenientes de emendas parlamentares do Orçamento de 2011.
A solução que está sendo avaliada pelo Palácio do Planalto passa pelo empenho de pelo menos metade das emendas deste ano e pela prorrogação, até o fim do ano, do prazo para que sejam iniciadas obras de restos a pagar referentes a 2009.
Caso seja efetivado, será a segunda concessão de Dilma feita a parlamentares referente ao assunto. No último dia do seu mandato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cancelou todos os restos a pagar decorrentes desses três anos. Em 29 de abril – antes, portanto, da crise política – Dilma sucumbiu em parte à pressão e expediu um decreto no qual preservou esses valores para obras que já estavam em andamento e determinou que obras iniciadas até 30 de junho deste ano seriam pagas. O modelo agora em negociação estende esse prazo para o último dia deste ano.
Isso foi tratado anteontem, na primeira reunião que a recém-empossada ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) teve com o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). Ali, ela ouviu que o motivo maior de problemas no relacionamento entre o Executivo e o Legislativo decorre da insatisfação com esses assuntos.
Ontem, na reunião entre os líderes da base da Câmara, Vaccarezza anunciou que essa era a solução em avaliação no Palácio. No entanto, se por um lado a informação agradou os deputados, por outro a ausência de Ideli foi considerada desrespeitosa, já que ela foi com a presidente e a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) a um almoço com os seis senadores do PR.
Para se retratar, ela convocou os líderes da base para uma reunião no Palácio do Planalto à noite para tratar da liberação de verbas para os parlamentares. À saída, falou Vaccarezza, que, ao lado de outros líderes, como o do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), frisou a importância do pagamento das emendas para a atividade política.
"Todos os líderes entendem que é importante que a execução do orçamento da União seja respeitado. Achamos que as emendas não são estorvo, elas fazem parte do compromisso da Câmara e do Senado com a população. As emendas resolvem vários problemas", afirmou Vaccarezza. Ele disse, contudo, que a relação entre a base e o governo não se norteia pelas emendas. "Todos aqui pediram a aceleração do processo de liberação das emendas. Mas isso não significa nenhuma pressão".
Nas conversas com líderes dos partidos da base aliada, Ideli não deu prazos para o preenchimento de cargos no governo federal nem para a liberação de emendas. Segundo participantes das reuniões, a ministra também não deixou claro os valores que devem ser liberados. O suspense irritou parlamentares, inclusive petistas. A ministra tentou justificar que foi nomeada há pouco tempo e que ainda está tomando conhecimento da Pasta.
Ontem, depois de reunir-se com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), Ideli afirmou que os pedidos dos parlamentares serão atendidos "dentro da maior agilidade possível". A ministra disse, ainda, que as nomeações devem ser feitas "dentro dos critérios que a presidente exige, de critérios técnicos, de compatibilidade com a área".
O resultado das conversas com os parlamentares deve ser sentido hoje, quando está previsto o primeiro teste da ministra no Congresso, com a votação da MP 527. O texto cria regras mais flexíveis para as contratações de obras e serviços da Copa e da Olimpíada, o Regime Diferenciado de Contratações (RDC). O tema foi incluído por emenda na MP, que originalmente foi enviada pelo Executivo para criar a Secretaria de Aviação Civil, e gerou divergências entre a base e a oposição ao governo.
Temas espinhosos que a nova coordenação política do governo terá de enfrentar na Câmara foram tratados pelos líderes apenas no encontro da tarde, a que Ideli não compareceu. São eles a conclusão da votação da proposta de emenda constitucional 300, que institui um piso nacional para policiais; e a regulamentação da emenda constitucional 29, que fixa a os percentuais e fórmulas que União, Estados e municípios devem dispender com a saúde.
Nos dois casos, a base quer votar, mas o governo não. A PEC 300, além de criar mais despesas para a União, tem oposição dos governadores, que temem o impacto fiscal em suas contas. No ano passado, inclusive, alguns deles estiveram em Brasília para solicitar a retirada de pauta da proposta. Entretanto, pressionados por policiais em seus Estados, os deputados querem pelo menos levar a voto o texto, que já foi aprovado em primeiro turno em 2010.
Quanto à emenda 29, a pressão decorre dos municípios e, por consequência, de partidos com forte base municipalista, como PMDB e PP. O texto já está aprovado, mas falta apreciar um destaque do Democratas que exclui dele a Contribuição Social sobre a Saúde, tida como a "nova CPMF". O governo adia a decisão se apoia ou não explicitamente o novo tributo, tendo em vista que o risco de derrota é grande.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2778.
Editoria: Política.
Página: A9.
Jornalistas: Caio Junqueira e Cristiane Agostine, de Brasília.