O governo repetiu, em 2011, um volume de contingenciamento de despesas discricionárias semelhante ao anunciado no começo de 2011: foram R$ 36,2 bilhões há um ano e R$ 35 bilhões ontem. A parte que coube a cada ministério, contudo, foi muito diferente. Neste ano, às áreas ligadas aos projetos de infraestrutura, como Cidades e Transportes, foram mais poupadas, refletindo a preocupação com o aumento do investimento. Por outro lado, em algumas pastas da área social, o volume de cortes foi maior do que o anunciado no ano passado, em valor e percentualmente, embora isso não represente, na maioria dos casos, redução de gastos nesses programas.
Responsável pela execução do programa Minha Casa, Minha Vida, o corte para o Ministério das Cidades, por exemplo, foi de R$ 8,6 bilhões em 2011, uma redução de 41,6% em relação ao que estava previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) daquele ano. Em 2012, o corte para a pasta foi de R$ 3,3 bilhões, redução de 16% em relação ao Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional.
Do outro lado, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pelas transferências de renda do governo, havia sido quase que integralmente poupado do corte orçamentário do ano passado, com redução de apenas R$ 22 milhões no limite de empenho. Em 2012, o contingenciamento para o ministério foi maior, de R$ 931 milhões, apesar do empenho para o programa Brasil sem Miséria ter aumentado 36,6% entre 2011 e 2012.
Para Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, há de fato um esforço por parte do governo para preservar o investimento e impedir a repetição do ano passado. Entre 2010 e 2011, a proporção entre investimento e PIB caiu de 1,2% para 1%. Como indício desse esforço, Borges cita o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), integralmente poupado do corte, com limite de empenho de R$ 42,6 bilhões em 2012, 20,5% a mais do que o empenhado em 2011.
Para Borges, a redução de despesas anunciada pelo governo – em um total de R$ 55 bilhões – ficou dentro do intervalo calculado pela LCA como necessário para o cumprimento da meta cheia do superávit primário, de R$ 139,8 bilhões. A LCA, que estimava economia para pagamento de juros de 2,7% do PIB em 2012, irá revisar para 3% do PIB. Esse percentual, diz Borges, abre espaço para que o Banco Central reduza os juros e dê continuidade a um alinhamento maior entre o BC e o Ministério da Fazenda.
Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, vê com mais ceticismo tanto o corte apresentado quanto a perspectiva para o investimento. Salto argumenta que o contingenciamento é positivo porque sinaliza disposição do governo em cumprir o superávit primário cheio, mas prefere não rever sua projeção 2,6% do PIB até que seja possível observar a execução orçamentária do governo.
"Uma parte significativa do corte deve atingir emendas de parlamentares e o custo político disso é alto. Além disso, gastos com pessoal podem prejudicar essa programação." O contingenciamento de despesas discricionárias, diz, deve atingir investimentos, mais fáceis de cortar. "Há dúvidas de que as condições macroeconômicas e fiscais permitirão aumentar o nível de investimento em relação ao PIB neste ano, que deve ficar em 1,1%, a não ser que o superávit primário seja sacrificado."
O especialista em contas públicas Mansueto Almeida considera que o bloqueio das despesas discricionárias, de R$ 35 bilhões, pode ser alcançado, embora a maior parte dos cortes deva recair novamente sobre os investimentos. Isso não quer dizer, contudo, que o governo vá investir menos do que os R$ 47,5 bilhões de 2011. "O orçamento deste ano prevê investimentos de R$ 81 bilhões, e há mais R$ 57 bilhões de restos a pagar de exercícios fiscais anteriores." Ele não acredita, porém, numa explosão do investimento – para acelerá-los, Almeida aposta que o governo vai intensificar as concessões.
Almeida considera que o contingenciamento não garante o cumprimento da meta, mas a liberdade para mexer em algumas despesas e a capacidade de levantar receitas extraordinárias podem levar a isso. Ele diz que governo tem espaço para segurar alguns gastos, empurrando-as de um ano para o outro. Segundo Almeida, a conta de subvenções econômicas, que inclui subsídios do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e do Mina Casa, Minha Vida, sugere que essa prática tem sido adotada. Em janeiro deste ano, houve o pagamento de R$ 4,3 bilhões nessa rubrica, referentes aos chamados restos a pagar não processados (despesas de exercícios fiscais anteriores já empenhadas, mas em que o gasto ainda não foi liquidado). Em janeiro de 2011, foram R$ 2 bilhões, e em janeiro de 2010, apenas R$ 233 milhões.
É por conta disso que ele considera possível o governo cumprir o corte de R$ 10,5 bilhões para R$ 5,4 bilhões nos subsídios. Almeida duvida, porém, das promessas de redução de R$ 7,7 bilhões nos benefícios previdenciários, num ano em que o salário mínimo, que tem forte impacto sobre os gastos da Previdência, subiu 14%.
O economista Marcos Fantinatti, da MCM Consultores Associados, manteve a estimativa de um superávit primário de 2,6% do PIB) neste ano. Para ele, o contingenciamento de R$ 20,5 bilhões nas despesas obrigatórias é pouco crível. Fantinatti lembra que, em 2011, o governo se comprometeu a reduzir os benefícios previdenciários em R$ 2 bilhões, mas eles ficaram R$ 3 bilhões acima do previsto. No caso do abono e do seguro-desemprego, a promessa era de um corte de R$ 3 bilhões; na realidade, houve um aumento de R$ 4,5 bilhões.
Fantinatti considera factível o corte de R$ 35 bilhões das despesas discricionárias, mas ele é insuficiente para que a meta de 3,1% do PIB seja atingida. Ele vê receitas crescendo um pouco menos neste ano, por causa dos efeitos defasados da desaceleração da atividade sobre a arrecadação, e acredita que haverá um aumento significativo dos investimentos. Com isso, parece pouco provável chegar à meta, reitera Fantinatti.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2948.
Editoria: Brasil.
Página: A3.
Jornalistas: Tainara Machado e Sergio Lamucci, de São Paulo.