Lula quis mudar a correção do piso

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou alterar a atual regra de correção anual do piso salarial dos professores, quando percebeu que ela criaria sérios problemas para o financiamento da educação. No mesmo mês em que sancionou a lei 11.738/2008, que regulamentou o piso salarial, Lula encaminhou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3.776 propondo que o piso passasse a ser corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

Por alguma razão, o ex-presidente preferiu não vetar a norma de reajuste previsto na lei 11.738, segundo a qual o piso deve ser atualizado utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo a ser gasto por aluno da 1ª à 4ª série do ensino fundamental. Em vez de vetar, ele encaminhou o projeto de lei com a proposta de correção do piso pela variação do INPC e pediu urgência constitucional para a sua votação.

Quem acompanha o debate atual em torno do reajuste de 22,2% do piso salarial dos professores neste ano, precisa ler a exposição de motivos número 032, que acompanhou o Projeto de Lei 3.776. Nela, os então ministros interinos da Educação, José Henrique Paim Fernandes, e da Fazenda, Nelson Machado, advertiram Lula sobre o que aconteceria, no médio e longo prazo, se a regra de reajuste do piso prevista na lei 11.738 fosse mantida.

"O efeito da regra em vigor poderá acarretar uma elevação contínua da parcela correspondente aos gastos com a remuneração dos profissionais do magistério público nas despesas totais com educação básica, comprometendo no médio e longo prazo o financiamento de outros não menos importantes itens para a melhoria da qualidade da educação básica pública, tais como os dispêndios na manutenção e melhoria das instalações físicas das escolas, na aquisição de material de ensino, na universalização do uso da informática e do próprio aperfeiçoamento profissional dos professores", disseram os ministros na exposição de motivos.

Dito de uma forma mais direta: como os recursos para a educação não limitados, se as despesas com professores aumentarem muito, de forma continuada, faltará dinheiro para os demais investimentos na área, no médio e longo prazo. Lula concordou com essa argumentação e, tão logo sancionou a lei que criou o piso, encaminhou o projeto 3.776 à Câmara dos Deputados, alterando a forma de reajuste.

O projeto de Lula foi aprovado pelos deputados e enviado ao Senado, que alterou o texto e reintroduziu o critério de correção previsto na lei 11.738. O substitutivo aprovado no Senado retornou à Câmara em julho de 2010. No fim de novembro do ano passado, a Comissão de Finanças e Tributação aprovou, em caráter terminativo, o parecer do deputado José Guimarães (PT-CE), que rejeitou o substitutivo do Senado e preservou a proposta original de Lula.

O projeto original iria seguir para sanção da presidente Dilma Rousseff. Mas, no início de dezembro, a deputada Fátima Bezerra (PT-RN) apresentou recurso, subscrito por outros deputados, para que o parecer aprovado na Comissão de Finanças e Tributação fosse submetido ao plenário da Câmara. Com isso, o critério de correção previsto na lei 11.738 foi usado em 2012 e, agora, falta definir o destino da proposta de Lula.

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, diz que já está ocorrendo aquilo que os dois ministros do ex-presidente Lula previram. "A maioria das prefeituras já está gastando apenas com professores os recursos que são obrigadas a investir em educação", afirmou. "Não está sobrando nada para os outros investimentos na área." Ziulkoski lembrou que o piso é estendido aos professores inativos.

O piso de R$ 1.451 a ser pago este ano aos professores criou um outro problema aos prefeitos, segundo Ziulkoski. "Se eles pagarem o piso, irão descumprir o limite de 54% da receita corrente líquida para gastos com pessoal na área do executivo municipal, definido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)", disse. Os prefeitos estariam, portanto, no dilema de cumprir a lei 11.738 ou a LRF. Mantida a atual regra de correção, o presidente da CNM disse que o reajuste previsto para 2013 será de 21,8%.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que o piso é apenas a remuneração básica e que as gratificações incidem sobre ele. Antes, o entendimento era de que o piso abrangia toda a remuneração do professor. O presidente da CNM explicou que essa decisão do Supremo criou um passivo a ser pago pelos municípios de cerca de R$ 15 bilhões, pois ela terá ser aplicada de forma retroativa.

Mas não é só o problema do reajuste do piso que preocupa os prefeitos. A lei 11.738 estabeleceu que 1/3 da carga horária do professor será para atividades fora da sala de aula. Esse dispositivo, segundo Ziulkoski, implicará a necessidade de contratação de cerca de 300 mil novos professores pelas prefeituras.

Não há dúvida de que a valorização da atividade do magistério deve ser uma prioridade nacional. Mas é preciso que ela seja compatível com o equilíbrio das contas públicas e não crie dificuldades insuperáveis para as administrações estaduais e municipais.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2966.
Editoria: Brasil.
Página: A2.
Jornalista: Ribamar Oliveira (ribamar.oliveira@valor.com.br).