O rombo no caixa do governo do Espírito Santo poderá ser de R$ 2 bilhões (quase 20% do orçamento) por ano, a partir de 2013, com a nova divisão dos royalties do petróleo, ainda em discussão na Câmara dos Deputados, e a resolução que acaba com a guerra fiscal dos portos, já aprovada no Senado. O cálculo é do governo estadual.
Essa resolução, que unifica em 4% a alíquota interestadual do ICMS de importados e torna inviável a concessão de incentivos fiscais para o setor, favorece São Paulo – por sua vez um dos mais prejudicados pelas futuras regras de tributação do comércio eletrônico, previstas em proposta de emenda à Constituição que tramita no Senado. Se aprovada a versão do relator, Renan Calheiros (PMDB-AL), a perda estimada para o Estado é superior a R$ 600 milhões ao ano.
O Rio de Janeiro tem grande prejuízo com a repartição dos royalties do petróleo e com a divisão do ICMS das compras pela internet (e outros meios à distância) entre origem e destino. Por outro lado, ganha com o fim da guerra dos portos. Mesmo assim, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) foi um dos defensores da aprovação de um prazo para que os Estados perdedores com o fim da guerra dos portos (Espírito Santo, Santa Catarina e Goiás) pudessem se adaptar. Ele prega a "solidariedade federativa", ou seja, o voto contra qualquer proposta que imponha perdas aos Estados de um ano para outro. Não adiantou. O plenário rejeitou a transição.
Essa "reforma tributária fatiada" só alimenta a guerra federativa e pode comprometer a discussão do que deveria ser um dos principais assuntos do Congresso em 2012: a definição de nova regra de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE).
O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a atual fórmula, definida em lei complementar de 1989. E determinou que o Congresso fixe novo critério até 31 de dezembro de 2012, quando o Executivo terá de suspender as transferências do FPE, se não houver outra lei, que precisa ser aprovada por Câmara e Senado.
Como faltam apenas oito meses para o fim desse prazo e não há, sequer, uma discussão inicial sobre esses critérios de rateio, das duas, uma: ou o Congresso vai aprovar uma nova regra de distribuição do FPE de forma açodada ou o STF será forçado a rever sua decisão, dando maior prazo ao Legislativo, diante do efeito catastrófico às finanças dos Estados que resultaria da suspensão dos repasses do fundo.
A indefinição do FPE causa outro problema, por enquanto aparentemente ignorado pelos parlamentares. É o seguinte: as novas regras para os royalties do petróleo discutidas no Congresso preveem a distribuição do dinheiro entre Estados e municípios com base nos critérios de rateio dos fundos de participação. Portanto, critérios desconhecidos a partir de janeiro de 2013. "Coisa maluca, nonsense completo", diz um tributarista.
É assim, de forma fatiada e criando diferentes conjuntos de Estados ganhadores e perdedores para cada caso, que o pacto federativo vai sendo redesenhado pelos parlamentares, por meio de projetos que avançam sem coordenação entre si. Para especialistas, não há risco de dar certo. É um mosaico de interesses.
O Senado criou uma comissão de 14 especialistas, para discutir o pacote, de forma conjunta. Ela acabou de ser instalada, não tem poder deliberativo e os senadores estão tocando os projetos sem considerar o que os "notáveis" poderão sugerir. O grupo elencou, como prioritárias, as questões do ICMS, do FPE, dos royalties do petróleo e do indexador das dívidas dos estados junto à União.
Um desses especialistas diz que a União é responsável pela situação dos Estados e cita um provérbio beduíno para apontar a responsabilidade dela na busca de solução: "quem aprisiona um falcão se obriga a alimentá-lo".
Em outra palavras, é o que Lindbergh defende, ou seja, o papel do governo federal de "administrador" desse pacote. A questão divide a base. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) discorda. "Se o governo reunir as propostas para discutir tudo junto, ele é que vai pagar a conta [das compensações a eventuais perdas]", afirma.
Para Lindbergh, o governo está querendo "pegar os Estados por partes", com esses projetos fatiados. Ele aponta, ainda, a transferência de competências para Estados e municípios sem repasse de dinheiro novo e o aumento da concentração da arrecadação nas mãos da União.
Ele critica a articulação política do governo, que não negocia com os governadores, e prevê que, se o governo não se sentar à mesa de negociação com os Estados, vai haver mais "chiadeira" no próximo mês, quando haverá o impacto das isenções de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) pelo governo. Esse tributo faz parte da base dos fundos de participação dos Estados e municípios (FPE e FPM) e sua isenção vai reduzir os repasses.
O ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG) diz que "o Brasil caminha de forma acelerado para se transformar um Estado unitário", no qual o "hiperpresidencialismo atinge limites antes jamais vistos na história deste País". Para ele, a federação está fragilizada e o governo perde a oportunidade de "avançar na direção de repactuarmos a Federação no Brasil", não tratando em conjunto temas correlatos, ligados à recuperação da capacidade de investimentos de Estados e municípios.
"Estamos indo muito mal no debate da federação, porque nós estamos transformando o Senado, que é a Casa do equilíbrio federativo, da união entre os Estados, num palco de guerra entre os Estados", resume o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
Como, em geral, vencedores não agradecem e perdedores esperneiam, o que mais se ouve no Senado é reclamação sobre as dificuldades de caixa de Estados e municípios. A presidente Dilma Rousseff mantém a popularidade nas alturas. Mas, com a proximidade das eleições, a pressão dos aliados por um alívio, venha de onde vier, deve aumentar.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2995.
Editoria: Política.
Jornalista: Raquel Ulhôa.