De um lado, o desperdício; de outro, a perspectiva de escassez de matérias-primas em um mundo que caminha para os 9 bilhões de habitantes até 2050, segundo projeções das Nações Unidas. A resposta para o desafio de fazer mais com menos deve passar pelo design dos produtos e das embalagens. Porém, a adoção de atributos de sustentabilidade, o chamado ecodesign, ainda não é recorrente nas pranchetas dos designers.
"O design ainda não incorporou essa nova inteligência focada na sustentabilidade e na redução dos impactos ambientais dos produtos. E isso ocorre não só no Brasil, no mundo todo", afirma o designer Fred Gelli, sócio e diretor de criação da Tátil Design de Ideias, uma das agências precursoras em ecodesign no país, que acumula em sua trajetória a criação da logomarca da Olimpíada Rio 2016, cuja licitação venceu.
Gelli, que também é professor do Departamento de Design da PUC-RJ, assinala que nem as grandes premiações internacionais de design incorporaram critérios de sustentabilidade na avaliação dos trabalhos. "Sou jurado de prêmios como Cannes e D&AD Global Awards e posso dizer que o design verde não é critério de avaliação, ainda", diz. "Isso é um absurdo, se levarmos em consideração que 33% do lixo produzido no mundo são embalagens."
Desde sua graduação, Gelli estuda formas de design aliadas à natureza: é um pioneiro da chamada biomimética no Brasil – o ramo do design que estuda as formas da natureza para tentar replicá-las no desenho dos produtos. Com esse background, sua agência vem trabalhando na criação de embalagens mais ecoeficientes para grandes empresas, como Coca-Cola e Natura.
Com a adoção de ferramentas como a análise de ciclo de vida (ACV) é possível determinar, por exemplo, se é mais viável ambientalmente para uma empresa utilizar embalagens de plástico, vidro ou papelão – ou inovar no uso de novos materiais, por exemplo. Foi assim com a linha Ekos da Natura, cujas embalagens passaram a ser fabricadas com maior percentual de PET reciclado, além de ter informações sobre sustentabilidade presentes no rótulo – a chamada rotulagem ambiental.
Uma tendência crescente é o chamado Cradle to Cradle, ou C2C (em tradução literal, "do berço ao berço"). Formulado em 2002 pelo arquiteto William McDonough e pelo químico Michael Braungart em seu livro homônimo, o conceito C2C é simples de entender, mas ainda difícil de ser posto em prática. Os autores defendem que cada novo produto ou embalagem seja desenhado de modo a não mais gerar resíduo ao fim de sua vida útil, e sim se tornar a matéria-prima de um novo processo produtivo, fechando o ciclo sem perdas materiais – ou com o mínimo de perdas possível.
A lacuna de informações sobre as aplicações de ecodesign no Brasil levou a designer paulista Elisa Quartim a compilar todo tipo de informação que recebia sobre o tema. Assim, ela criou o site Embalagem sustentável (http://www.embalagemsustentavel.com.br/), na rede desde 2008, para mostrar exemplos tangíveis de design sustentável, praticados por empresas do Brasil e do exterior.
"No Brasil, o design voltado para a redução do impacto ambiental de um produto ou embalagem ainda é pouco explorado. Mas está começando", diz Quartim, que atualmente faz um projeto de pesquisa sobre as embalagens de produtos orgânicos no Brasil. Segundo a designer, o processo de mudança de mentalidade começa pela redução de espessura, ou volume de uma embalagem. "Isso traz ganhos para a empresa, como economia de materiais e menores custos de logística", diz. Além disso, os ganhos econômicos costumam vir acompanhados de benefícios ambientais, como a redução emissões de CO2. "O que também se traduz em um ganho de reputação para as empresas", analisa Quartim.
Uma empresa que tem buscado essa diretriz – reduzir peso e volume das embalagens – é a fabricante de alimentos Danone. Em 2009 a empresa trouxe ao Brasil uma nova tecnologia, batizada de Foam ("espuma", em inglês), que expande a chapa plástica utilizada nas embalagens, tornando-a aerada – diminuindo o peso das embalagens em até 19% e também o consumo de matéria-prima. Também passou a utilizar o "polietileno verde", resina fabricada pela Braskem a partir da cana-de-açúcar, em embalagens em formato garrafinha, que não podem ser moldadas no sistema Foam.
"A motivação inicial para a adoção dessas novas tecnologias foi diminuir a pegada de carbono das embalagens da empresa", explica Lucas Urbano, gerente de sustentabilidade da Danone. "Nesse processo, tomamos conhecimento de várias ferramentas de ecodesign que estão sendo estudadas, como a análise de ciclo de vida e os biomateriais", diz Urbano.
Há quem veja a Lei de Resíduos Sólidos como a oportunidade que faltava para que o design sustentável deslanche no Brasil. É o caso de Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). "A lei impulsionará uma nova indústria, pois responsabiliza toda a cadeia pela gestão dos resíduos", diz. Segundo Marina, as empresas brasileiras já têm a percepção de que o design precisa incorporar o desafio do descarte correto. Não por acaso, o ecodesign e a gestão dos resíduos são temas do documento Visão 2050, do Cebds, lançado durante a Rio 20, que pretende nortear as empresas nas práticas de sustentabilidade. "O lixo pode virar novos produtos e energia. Essa indústria será prioritária para o Brasil."
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3086.
Caderno Especial: Resíduos Sólidos.
Página: F4.
Jornalista: Andrea Vialli.