Governo pode editar MP para compensar Estados

As implicações políticas e jurídicas ao veto ou à sanção do projeto de lei que promove redistribuição da renda do petróleo – royalties e participação especial (PE) – aprovado pela Câmara dos Deputados, na terça-feira, ainda estão em estudo no Palácio do Planalto, mas a tendência da presidente Dilma Rousseff é sancionar a lei com vetos secundários e editar uma medida provisória para compensar Rio de Janeiro e Espírito Santo por um determinado período. Até 2020, por exemplo. A assessoria do Palácio do Planalto divulgou nota na noite de ontem na qual informa que a presidente Dilma fará uma 'exaustiva análise" do projeto antes de concluir sobre a sua sanção, veto total ou veto parcial.

As bancadas parlamentares dos dois Estados, revoltadas com as perdas de receita, reuniram-se ontem e pediram audiência com a presidente. Vão entregar uma carta lembrando-a de seu compromisso com o respeito aos contratos vigentes e à receita adquirida e pedindo veto parcial dos dispositivos que consideram prejudiciais ao pacto federativo. A decisão de ir à Justiça será tomada somente depois de terem uma posição do governo.

A Secretaria de Fazenda do Estado do Rio enviou aos parlamentares do Estado a estimativa de perda: R$ 4,6 bilhões já a partir do ano que vem (R$ 2,79 bilhões no caso do Estado e R$ 2,56 bilhões das prefeituras). Até 2030, o prejuízo seria de R$ 116,7 bilhões, para Estado e seus municípios. O Espírito Santo estima seus prejuízos em R$ 11 bilhões ao longo de dez anos, pouco mais de R$ 1 bilhão por ano, a partir de 2012.

"Nunca na história um projeto de lei aprovado no Congresso reuniu tantas irresponsabilidades, em diferentes óticas, o que decorreu de uma votação pautada pela irracionalidade e promessa de Eldorado", afirmou o senador Francisco Dornelles (PP-RJ). Ele cita, entre os problemas do projeto, um erro formal: a soma dos percentuais de uma tabela totaliza 101% em vez de 100%. A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) afirmou ontem que esse é um problema que o Congresso tem que resolver.

No fim da sessão do Senado desta quarta-feira, foi lido ofício do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) ao presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), explicando ter havido uma "imprecisão" no substitutivo de sua autoria, que trata da distribuição da renda do petróleo (royalties e participação especial), aprovado em 2011 e homologado pela Câmara na noite de terça-feira.

O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) considerou o resultado da votação uma "marcha da insensatez" e que a distribuição dos recursos é inconsequente. "Foi uma vitória da politicagem e da mediocridade contra o bom senso."

Pelo menos até agora, o veto total é considerado a pior alternativa pelo Planalto. A decisão da presidente abriria passagem para um projeto do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) considerado pior que o texto aprovado pela Câmara. Outra opção seria vetar mutilando o texto no essencial. A presidente apenas abriria um contencioso desnecessário com a Câmara, o que prefere evitar.

O resultado da votação foi mais uma derrota do governo, que contou com articulação de parlamentares da base, já que a questão divide Estados – e não governo e oposição.

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), disse esperar que a presidente faça o menor número de vetos, já que a proposta atende a 25 Estados brasileiros. "O bom é que viramos esta página. Cumprimos nossa obrigação de votar as matérias que estão sobre nossa responsabilidade", afirmou. O projeto aprovado contraria o interesse da União, que pretendia destinar todo o recurso do petróleo à educação e não queria mexer na distribuição dos poços já licitados.

Nem mesmo o substitutivo do relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), atendia totalmente ao Palácio do Planalto, porque mexia na arrecadação atual, mas era considerado mais equilibrado e destinava quase toda a verba para a educação. Mas até ele desagradava aos Estados não produtores, de um lado, e os produtores, de outro. Foi derrotado pelo plenário, que, num resultado surpreendente, restabeleceu a proposta do Senado, com a redistribuição do dinheiro dos campos já explorados e sem vincular à educação.

Contrariando orientação de Dilma, Maia, Zarattini e representantes de Estados não produtores alegam que não há quebra de contrato, porque os contratos entre União e petroleiras não detalha a distribuição do dinheiro. Além disso, os não produtores consideram o petróleo do mar um bem da União, e não dos Estados cujo litoral fica em frente a campos.

O pior dos cenários, no Palácio do Planalto, é a disputa entre os Estados pelos royalties do petróleo acabar no Supremo Tribunal Federal, o que a cada dia parece mais inevitável. A sanção com vetos secundários e a edição da MP poderia evitar mais esse contencioso com o Judiciário. Até porque o Rio não tem segurança de sair vitorioso no STF.

"Essa é a grande preocupação. Até porque todos nós sabemos que decisões sobre matérias polêmicas como essas no judiciário tendem a ser muito demoradas. Demoram para ser decididas. E, portanto, os [Estados] que estavam com tanta vontade de que [o recurso] fosse dividido mais rapidamente talvez, com a judicialização, vão acabar tendo de aguardar a decisão do processo judicial", afirmou Ideli.

O aspecto eleitoral também está sendo considerado no Palácio do Planalto. Se vetar o texto aprovado, a presidente deixará mais de 5.000 prefeitos descontentes, o que deverá ter reflexos em sua reeleição. A pressão dos prefeitos por recursos é intensa – não são poucos os que se dizem sem condições de virar o ano atendendo aos requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que "o governo não é simpático" à proposta, porque "ela mexe com contratos passados", porém, não "há definição se o governo vai vetar ou não". O ministro disse ainda que não há "uma avaliação das consequências do projeto".

Mantega abordou a questão ao ser questionado se não seria melhor tratar a divisão dos royalties ao mesmo tempo da mudança na alíquota do ICMS. Segundo ele, "são conflitos diferentes que devem ser tratados separadamente".

Como exemplo, Mantega citou a reforma tributária. "Quando tentamos fazê-la de uma vez, foi muito difícil e não conseguimos. Agora estamos fazendo a reforma de forma fatiada", disse. " Estamos resolvendo o ICMS, o PIS Cofins está avançando e desoneramos a folha salarial."

Ele concluiu afirmando que "a reforma do ICMS já é bastante complexa e suficientemente difícil para exigir as nossas energias".

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3130.
Editoria: Política.
Página: A5.
Jornalistas: Raymundo Costa e Raquel Ulhôa, de Brasília.