Os passos da divisão

Desde 1934 Blumenau não é mais a mesma. O processo de transformação forçada que a colônia agrícola fundada por Hermann Bruno Otto Blumenau viveu há 80 anos tornou-se um capítulo enigmático e quase esquecido nos registros históricos. A divisão abrupta da cidade, que detinha 7,8% do território de Santa Catarina e despontava como polo econômico e político, casou revolta. Moradores foram às ruas protestar, o comércio fechou por pouco mais de uma semana e o então prefeito caiu.

A A partir de fevereiro de 1934, quando os distritos de Gaspar, Indaial, Timbó e Dalbérgia (hoje Ibirama) foram emancipados em um intervalo de 12 dias, Blumenau mudou. A representação da política local enfraqueceu, as novas cidades encontraram as próprias vocações econômicas e ganharam autonomia para administrar os territórios.

O decreto assinado em 17 de fevereiro daquele ano pelo então interventor federal em Santa Catarina, Aristiliano Ramos, pegou os blumenauenses de surpresa. E era apenas o prenúncio de que os anos 1930 seriam, provavelmente, os mais difíceis vividos pela cidade. Com o ato, Aristiliano tornou pública a emancipação de dois dos nove distritos pertencentes a Blumenau: Hamônia – que recebeu o novo nome de Dalbérgia e hoje é Ibirama – e Gaspar. Quatro anos antes Blumenau já havia perdido dois distritos: Taió e Bela Aliança, hoje Rio do Sul. Mas a dificuldade em administrar a região distante quase 90 quilômetros do centro da administração municipal tornou a emancipação um desejo de ambos e foi acertada pacificamente. Diferente do que aconteceu no verão de 1934.

A decisão de Artistiliano teve raízes mais profundas – especialmente políticas – e quis ceifar a hegemonia que Blumenau conquistava, despontando como a principal cidade de Santa Catarina. No livro História de Blumenau, o autor José Ferreira da Silva defende que a divisão foi consequência da derrota do clã Ramos para a oposição – composta pela família Konder, com forte reduto político em Blumenau – para deputados à Assembleia Constituinte, em 1933.

Entretanto, a rixa política começou anos antes com a ascensão da família Konder ao poder no Estado e um noivado desfeito. Uma Ramos e um Konder iriam ao altar selar a união das famílias, mas, em vez de casamento, o rompimento antes do enlace marcou o início da maior rivalidade política da história de SC. Após um período afastados da elite política, os Ramos voltaram à administração catarinense com o golpe de Getúlio Vargas, que nomeou o apoiador Aristiliano como interventor federal. Em 1933, com o poder de volta às mãos, a família Ramos abriu caminho na política no Vale do Itajaí. Mas a divisão de Blumenau sem consulta pública ou anúncio antecipado teve gosto amargo para os blumenauenses.

Movimento pela reunificação

Em 22 de fevereiro, em meio ao furor da separação, foram às ruas cerca de 15 mil pessoas de toda a região. Os cartazes erguidos pelo Centro de Blumenau ao alto eram claros: queriam a cidade reunificada. O movimento, que ganhou contornos de revolta popular, recebeu o nome de Por Blumenau Unido. O comércio permaneceu fechado por pelo menos 10 dias. José Ferreira da Silva diz que Blumenau apresentou aspecto de praça em pé de guerra. A população preparou as armas, enquanto o governo de SC enviou tropas para conter os mais exaltados. Os mantimentos tiveram venda limitada e guardas ficaram de prontidão nos acessos à cidade. O então prefeito Jacob Schmidt não resistiu à revolta e desapareceu de Blumenau, sendo afastado do cargo. Os aliados dele, aponta Ferreira da Silva, foram agredidos. A revolta não sensibilizou Artistiliano Ramos.

Os distritos de Indaial e Timbó foram sacramentados municípios no dia 28, menos de duas semanas depois do primeiro decreto. Indaial ainda ficou com Apiúna. Timbó abarca os distritos Rodeio, Encruzilhada (hoje região de Rio dos Cedros) e Benedito (Benedito Novo e Doutor Pedrinho).

Para justificar ao governo federal a separação, o interventor federal Aristiliano alegou que o desmembramento seria uma medida administrativa para alavancar o processo de nacionalização na região.

Quando os novos municípios foram instalados, em março, a população estava mais calma. Nomeado pelo interventor federal para substituir Schmidt, o capitão da Força Estadual Antônio Martins dos Santos conseguiu apaziguar os ânimos e conquistar a confiança dos blumenauenses. Santos foi substituído em agosto pelo prefeito interino João Gomes da Nóbrega.

Sérgio Almir dos Santos, prefeito de Indaial e presidente da Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí, acredita que a divisão de Blumenau foi salutar à região. Para ele, as cidades tiveram liberdade para crescer, fortalecendo as economias locais. Em conjunto encontraram soluções para problemas complexos, como o lixo, e trabalham para tirar do papel a duplicação da BR-470.

O Santa publica na terça-feira o primeiro dos quatro cadernos que resgatam os 80 anos dos principais municípios que surgiram a partir de Blumenau. A primeira publicação trata de Ibirama. No dia 18 é a vez de Gaspar, no dia 21 de Indaial, e para fechar a série a publicação de 25 de março vai falar sobre Timbó.

Veículo: Jornal de Santa Catarina.
Edição: 13094.
Editoria: Política.
Página: 8.
Jornalista: Daniela Matthes (daniela.matthes@santa.com.br).