Comissão vota destino de recursos da educação

Os 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação pública exigidos nos protestos de junho do ano passado vão hoje a voto com uma disputa que vai definir o que entra nessa conta – e qual o destino de bilhões de reais que o poder público vai gastar no setor nos próximos dez anos para atingir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). A votação ocorrerá numa comissão especial criada na Câmara dos Deputados para tratar do tema. Se aprovada, a proposta seguirá direto para o plenário da Casa.

Governo federal e instituições de ensino privado e filantrópicas defendem que seja permitido computar no gasto com educação pública parcerias como o Programa Universidade para Todos (ProUni), que dá bolsas de estudos em instituições privadas de ensino superior em troca de isenção tributária. Já organizações da sociedade civil, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), e sindicatos de profissionais da área querem que o investimento seja exclusivamente em escolas públicas.

"A tendência é que as metas do PNE de expansão das matrículas sejam cumpridas mais rapidamente pela iniciativa privada do que pelas escolas públicas porque o setor privado é mais ágil para criar matrículas já que faz isso, com raras exceções, sem qualidade", afirma Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que reúne mais de cem entidades. "Se não houver restrição, é provável que a iniciativa privada 'coma' parte do dinheiro que iria para o desenvolvimento do ensino público", diz.

A meta de 10% do PIB foi calculada com base apenas nos investimentos diretos em educação feitos pelos governos federal, estaduais e municipais, que foram de 5,4% do PIB em 2012. Não entraram nesta conta desembolsos dos entes públicos com parcerias privadas, como o ProUni, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Os gastos públicos indiretos no setor foram de 0,9% do PIB.

A disputa envolve muito dinheiro. Se o poder público tivesse que gastar em educação pública 10% do PIB em 2012, o dispêndio aumentaria em 81%. União, Estados e municípios, que investiram diretamente no setor R$ 242,1 bilhões, teriam que dar mais R$ 198,1 bilhões. Se nesta conta entrassem também os gastos indiretos poderiam ser descontados os R$ 39,6 bilhões gastos em parcerias com instituições privadas ou filantrópicas.

Para Daniel Cara, a permissão para que as parcerias e convênios com entidades privadas entrem no cálculo faria a participação desses gastos saltarem de 0,9% para 2,5% do PIB – conta que se baseia na tendência de crescimento dos últimos anos. "A meta dos 10%, na prática, pode ser meta de 7% ou 8% para a educação pública", diz. Ele ressalta que não é um debate ideológico a favor do Estado maior. "A questão central não é se é público ou é privado. É qualidade. E onde se encontram os resultados de maior qualidade é nas matrículas em instituições públicas", afirma.

O relatório final do projeto, apresentado há duas semanas pelo deputado federal Ângelo Vanhoni (PT-PR), estabelece a meta de investimento público de 10% do PIB em educação pública a ser alcançado em dez anos. Nesse percentual entrariam, contudo, os programas de expansão da educação profissional, superior e especializada, como o ProUni, Fies, Ciências Sem Fronteiras e convênios com entidades filantrópicas.

O texto é um meio termo entre o aprovado pela Câmara dos Deputados – e elaborado pelo próprio Vanhoni – em 2012, com os 10% exclusivos para a educação pública, e a versão do Senado Federal, que determina investimentos públicos de 10% do PIB em educação – sem dizer se era pública ou privada.

A versão dos deputados desagradava o governo federal, que aceitava no máximo uma meta de apenas 7% do PIB em 10 anos, e as instituições de ensino privadas e filantrópicas – muitas ligadas a igrejas -, que receavam perder espaço na distribuição de recursos. Os senadores liberaram que as parcerias com a iniciativa privada entrem na conta, mas uma emenda subscrita por deputados de vários partidos pretende suprimir esse trecho na votação na comissão que está marcada para hoje.

Os deputados, porém, divergem do efeito da emenda. Para o deputado e professor universitário Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), a supressão retrairia as parcerias com a iniciativa privada. "Um dos maiores suportes da expansão do setor universitário foi o aumento dos empréstimos no Fies e o ProUni. A educação passou a ser um ativo financeiro e muitos grupos foram comprados por fundos de investimento, que visam o lucro, não a qualidade", diz. "O investimento exclusivo em escolas públicas iria subverter essa lógica. Os governos teriam que parar de gastar tanto com a iniciativa privada e investir mais na educação pública."

Ex-secretária de Educação do Tocantins, a deputada federal professora Dorinha Rezende (DEM-TO) subscreve a mesma emenda, mas diz que não haveria redução nos programas. "A Constituição é clara: permite as parcerias com instituições privadas para suprir a insuficiência ou ausência do poder público. O meu receio é são os textos do Senado e o do relator, que deixaram aberta demais essa possibilidade", afirma.

Já o relator do projeto defende que não haverá nem a retração nem a expansão exagerada das parcerias com a iniciativa privada. "O governo não fará nenhuma ação para desconsiderar esses programas exitosos. Graças ao Fies e ao ProUni dois milhões de jovens de baixa renda tiveram acesso ao ensino superior. Não dá para pedir para eles esperarem de anos para entrarem na universidade", diz Ângelo Vanhoni.

Segundo o petista, o projeto prevê "travas positivas" para garantir investimentos nas escolas públicas. "Das 5,9 milhões de vagas que serão criadas em universidades, 40% serão em instituições públicas. Outra meta é triplicar a oferta de matrículas de formação técnica no ensino médio e pelo menos 50% vai ser em escolas públicas", exemplifica. "Não há risco dos investimentos irem apenas para as parcerias e convênios com entidades privadas", diz.

Para a meta ser atingida, contudo, vai ser necessário empenho dos três entes federativos – e da pressão popular para que o plano não fique apenas no papel. Não há punição para quem descumprir as metas nem percentual definido para União, Estados e municípios, porque isso teria que ser feito por uma emenda à Constituição. O PNE apenas determina 20 objetivos e 253 metas estratégias para que o Brasil melhore a qualidade e o atendimento do ensino em dez anos.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3489.
Editoria: Diretas e Indiretas.
Página: A6.
Jornalista: Raphael Di Cunto, de Brasília.