Duplicação da BR-470: seis meses à espera das obras

Em uma pose e um gesto de reivindicação, Gerhard Paul demonstra não compreender o porquê de tanto tempo de espera para o início das obras de duplicação da BR-470, nos lotes 3 e 4, entre Gaspar, Blumenau e Indaial, com ordem de serviço assinada há seis meses e promessa de começo de execução das obras ainda em julho de 2013. "Espero sentado para não cansar mais ainda", lamenta ele, que trafega há três anos pela BR-470 e trabalha em uma empresa de logística do Belchior Baixo, em Gaspar.

Resignado quanto às inúmeras promessas passadas, presentes e futuras sobre a duplicação, Gerhard Paul já não sabe para onde destinar seu gesto de incredulidade. "Quem transita pela BR-470, como eu, sabe os perigos que corre devido à estrada ser muito espremida. É lamentável que as várias manifestações da comunidade em prol da duplicação não ecoem nos responsáveis pela obra. Lembro que em setembro de 2013 operários estiveram cinco dias trabalhando na região do Belchior, mas depois de uma semana desapareceram", lembra Gerhard, 30 anos, morador do bairro Fortaleza, em Blumenau, que percorre 40 quilômetros no total entre casa e trabalho na BR-470.

Neste sábado, dia 18, completam seis meses que a ordem de serviço foi assinada para o início das obras nos lotes 3 (de Gaspar a Blumenau) e 4 (de Blumenau a Indaial), com início previsto para o trecho do Belchior Baixo, em Gaspar. No dia 18 de julho de 2013, o Ginásio João dos Santos foi palco de uma megassolenidade para a assinatura da ordem de serviço, repleta de autoridades, incluindo a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, o ministro dos Transportes, César Borges, o governador Raimundo Colombo, além de deputados estaduais e federais envolvidos com o projeto. Nos discursos, um misto de alívio com empolgação se destacavam. "A BR-470 já merecia ser duplicada há muito tempo, mas chegou a hora", declarou na época, no palanque, o ministro dos Transportes César Borges.

Descrentes

Céticos, moradores e comerciantes do Belchior, em Gaspar, localidade cortada pela BR-470, afirmam que só irão crer na duplicação quando perceberem que há de fato trabalho na rodovia. "Não vejo maquinário na pista nem gente trabalhando. Esta duplicação irá passar do prazo estabelecido, sem dúvida", acredita o aposentado João Deschamps, morador do Belchior Baixo. "A duplicação vai trazer benefícios aos comerciantes com certeza, porém não vemos nada acontecer. Os lotes 3 e 4 estão às moscas", conta o empresário e morador do Belchior Baixo, João Pedro, atuante no comércio de pneus de veículos.

Caminhoneiro e morador do Belchior Alto, Leandro Froehlich afirma que não precisa ser nenhum especialista no assunto de licitações e obras para concluir que a obra de duplicação da BR-470, em especial lotes 3 e 4, já expirou todos os prazos possíveis. "Ouvimos na comunidade que há muita burocracia envolvendo questões ambientais, mas as autoridades já deveriam estar prevenidas quanto a isto na montagem do cronograma. Volta e meia vemos o pessoal do Ibama por aqui, mas o fato é que a obra nunca inicia. Quem dirige na BR-470 sabe dos perigos desta estrada, pois não tem saída de escape para os motoristas evitarem imprevistos ao volante, além da imprudência que sempre há nas estradas brasileiras", avalia Leandro.

Trecho de Gaspar a Indaial registrou oito mortes

Desde que a ordem de serviço para a duplicação dos lotes 3 e 4 da BR-470 foi assinada, mais de 1 mil acidentes já foram registrados na BR-470. Desse número, 437 colisões, que resultaram em oito mortes, ocorreram no trecho entre Gaspar e Indaial, que já poderia estar recebendo as obras de duplicação. Confira abaixo os números de acidentes e mortes na BR-470 nos últimos seis meses, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina:

Navegantes a Ilhota:

93 acidentes, 8 mortes

Ilhota a Gaspar:

21 acidentes, 0 mortes

Gaspar a Indaial:

437 acidentes, 8 mortes

Em toda a rodovia: 1.113 acidentes, 38 mortes

Duplicação é estimada em R$ 1,4 bilhão

O valor estimado pela União para a duplicação de todo o trecho é de R$ 1,4 bilhão, com possibilidade de variação no valor em até 25%. Os recursos estão previstos no Programa de Aceleração do Crescimento, PAC. Composta por quatro lotes (veja quadro ao lado), a duplicação da BR-470 compreende 74 quilômetros da rodovia, entre Navegantes e Indaial.

Neste fim de ano, a superintendência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o Dnit, de Santa Catarina, publicou edital para escolher a empresa que executará as obras de duplicação do lote 2 da BR-470, o último que ainda aguardava licitação, que envolve Ilhota e Gaspar. A empresa ou consórcio será escolhido por Regime Diferenciado de Contratação e a definição do vencedor ocorrerá pelo critério de julgamento pelo menor preço, no dia 4 de fevereiro de 2014, em Florianópolis.

Além da duplicação dos 26 quilômetros do trecho, serão construídas ruas laterais, calçadas, nove viadutos e três pontes. O prazo para conclusão é de 1.440 dias.

Exigências foram atendidas, assegura Dnit

A placa do governo federal no Belchior Baixo, já meio coberta pelo mato, referente à duplicação do lote 3, indica ainda o início das obras para o dia 30 de julho de 2013, com previsão de término para 6 de outubro de 2017.

Segundo informações da superintendência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Dnit, de Brasília, sobre a duplicação da BR-470, após atender as exigências ambientais determinadas pelo Ibama, o Dnit está em condições de liberar a empresa para iniciar as obras efetivas em campo para a duplicação da BR-470 na região do Belchior, nos lotes 3 e 4, iniciando pelo quilômetro km 45, em Gaspar.

Nesta etapa, segundo a entidade, os trabalhos compreendem serviços com intervenções diretas para o alargamento e a construção de novas pistas. Em paralelo aos trabalhos de engenharia, serão desenvolvidos três planos, oito programas e 11 subprogramas ambientais constantes no Plano Básico Ambiental. Segundo o órgão, desde outubro está sendo realizado um trabalho de gestão ambiental para atender às condicionantes de leis do Ibama, entre elas as campanhas de monitoramento da fauna e bioindicadores e de monitoramento da qualidade da água.

Além destes itens, somam-se ações de execução do Programa de Proteção à Flora, com seus dispositivos de proteção e preservação de ecossistemas de Mata Atlântica, inclusive com um programa de socorro a animais que vivem nesta região. Resolvidas as questões ambientais, os próximos passos são os serviços de topografia para identificação das intervenções em faixa de domínio, como água, luz, telefonia, gás e outros, e áreas de desapropriação, montagem do canteiro de obras, além da continuidade dos serviços de terraplanagem, já no começo da segunda quinzena de janeiro.

Políticos apontam ditadura ambiental e burocracia

Perguntado sobre a demora excessiva no início das obras nos lotes 3 e 4 da duplicação da BR-470, o deputado federal Décio Lima (PT) é enfático ao justificar a principal razão de um semestre de atraso nas obras: "Estamos diante de uma ditadura ambiental". Lamentando o atraso e ao mesmo tempo afirmando que continuará com o ímpeto necessário para cobrar agilidade no processo da duplicação, Décio garante que nesta semana se chegou a um acordo entre os responsáveis pela obra e os representantes ambientais. "Entre esta segunda-feira, dia 20, e terça, 21, já será possível ver o maquinário funcionando e os operários trabalhando. Tomara que o clima não prejudique", alerta.

De acordo com o deputado, devido à grande quantidade de fauna e flora nas áreas das obras da BR-470, os entraves e licenças ambientais para tocar adiante as obras é imenso. "Neste intervalo de tempo pegamos dois meses de greve do Dnit, além de embargos do Ministério Público que travam ainda mais o processo. Mas ninguém irá tirar minha motivação de trabalhar nesta empreitada", discursa.

O deputado federal João Pizzolatti (PP) comenta que só quem faz milagre conseguiria agilizar processos burocráticos e licitatórios para obras, em especial de estradas. "A duplicação da BR-470 irá sair e é prioridade do governo. As obras estão demorando devido principalmente às questões ambientais", reforçou.

Gaspar compreende demora; Ilhota vê "novela tediosa"

Segundo o chefe de gabinete da Prefeitura de Gaspar, Doraci Vanz, seria bom que obra de duplicação da BR-470 estivesse em franca execução, mas ele diz entender que não é fácil conseguir licenças ambientais para o andamento das obras. "De fato muita burocracia tem emperrado a velocidade das obras, mas não há má-vontade da parte do governo", defende. Para o prefeito de Ilhota, Daniel Bosi, o cenário atual é uma tediosa novela que se arrasta e gera prejuízos à economia local. "Estas rodovias figuram no elenco das estradas mais perigosas e letais de Santa Catarina. Esses já são motivos mais que suficientes para que a duplicação seja iniciada de imediato. Cada dia de atraso pode significar mais prejuízos, acidentes, mortes e mutilações no asfalto", opina o prefeito, que aposta na duplicação para facilitar a logística e atrair mais investidores para Ilhota.

Confira o trecho que compreende cada lote:

Lote 1 – Navegantes a Luís Alves/divisa com Ilhota
Segmento: Km 0 ao Km 18,6
Extensão: 18,6 Km
Principais intervenções: 4 viadutos e 2 pontes
Prazo: 1.440 dias
Valor licitado: R$ 193 milhões.
Situação: Ordem de Serviço prevista para segunda quinzena de janeiro

Lote 2 – Ilhota a Gaspar
Segmento: Km 18,6 ao Km 44,9
Extensão: 26,3 km
Principais intervenções: 9 viadutos e 3 pontes
Situação: Edital (RDC/menor preço) publicado em 30/12/2013, com entrega das propostas em 4 de fevereiro

Lote 3 – Gaspar a Blumenau
Segmento: Km 44,9 ao Km 57,8
Extensão: 12,9 km
Principais intervenções: 8 viadutos e 2 pontes
Valor licitado: R$ 167.555.244,30
Prazo: 1.440 dias (4 anos)
Situação: Licenças ambientais e aspectos burocráticos têm atrasado o início de obras, que já teve, há seis meses, ordem de serviço assinada. Segundo o Dnit, de Brasília, após atender as exigências ambientais determinadas pelo Ibama, a empresa responsável já está liberada para iniciar as obras de duplicação

Lote 4 – Blumenau a Indaial
Segmento: Km 57,8 ao Km 73,2
Extensão: 15,4 km
Principais intervenções: 7 viadutos e 2 pontes
Valor licitado: R$ 205.915.971,00
Prazo: 1.440 dias (4 anos)
Situação: Licenças ambientais e aspectos burocráticos têm atrasado o início de obras, que já teve, há seis meses, ordem de serviço assinada. Segundo o Dnit, de Brasília, após atender as exigências ambientais determinadas pelo Ibama, a empresa responsável já está liberada para iniciar as obras de duplicação.

Veículo: Jornal Cruzeiro do Vale.
Edição: 1554.
Editoria: Especial.
Páginas: 8 e 9.
Jornalista: Thiago Moraes.