Regime Próprio de Previdência Social é adequado ao Regime Jurídico Estatutário (Administrativo)
A Constituição Federal determinou, no "caput" do artigo 39, que os Entes Federados fizessem a opção por um Regime Jurídico Único para regular a vinculação de seus servidores. Na prática, muitos entenderam que a opção correta era pelo Regime Jurídico Administrativo para os efetivos, transformando os empregos públicos do Regime Jurídico Trabalhista (Celetista) para cargos.
Porém, a falta de diretriz interpretativa contribuiu para proliferação de regimes mistos e até mesmo dos ditos "especiais", quando deveria ter ocorrido tão somente a regulamentação de um Regime Jurídico Único, ou seja, o Ente Federado fazia a opção legislativa pelo regime e vinculava todos os seus servidores, tanto efetivos, quanto comissionados ou temporários.
Claro que o próprio texto constitucional foi impreciso nesta questão, pois ao tratar do vínculo temporário (art. 37, IX) utilizou da expressão "contratação" direcionando o pensamento para o Regime Jurídico Trabalhista donde se utiliza o contrato de trabalho. Neste aspecto, pode-se muito bem contrapor-se a tal argumento com a realidade dos contratos administrativos, muito bem regulados pela Lei nº 8.666/93.
Noutras passagens (art. 37, II e V), o texto direcionou o entendimento do regime a ser aplicado aos servidores ocupantes de funções de confiança (direção, chefia ou assessoramento), pois tratou de cargos dando-se a noção de que o regime deveria ser o Estatutário (Administrativo).
No art. 37, XII, da Carta Magna o texto novamente contribui para o direcionamento dado a transformação dos empregos em cargos, ou seja, na transformação do Regime Jurídico Trabalhista (Celetista) para o Regime Jurídico Administrativo (Estatutário) em relação aos servidores efetivos.
Neste conjunto, instalou-se o entendimento de que os servidores regidos pelo Direito Administrativo estariam submetidos a um Regime Próprio de Previdência Social – RPPS enquanto que os servidores regidos pelo Direito Trabalhista estariam submetidos ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, administrado pelo Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
Assim, o Poder Constituinte derivado exerceu o papel de conformador aprovando as Emendas Constitucionais nº 19 e 20, que compunham a Reforma Administrativa ou Reforma do Estado.
Tais mudanças pregavam a renúncia ao Regime Jurídico único (Administrativo ou Trabalhista) para adaptar-se a realidade da dualidade de regimes jurídicos. Por outro lado, enfatizava disciplina na adoção do Regime de Previdência Social, eis que reservou-se o Regime Próprio de Previdência Social (art. 40 da CF) somente aos ocupantes de cargos efetivos (servidores efetivos vinculados ao Regime Jurídico Administrativo).
Desta forma, por expressa disposição legal (§ 13 do art. 40) aos servidores ocupantes, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.
No entanto, o Regime Próprio de Previdência Social ressalvado desde 05/10/1988 pela Constituição Federal, padeceu de regulamentação Federal (art. 22, XXIII, e/ou art. 24, XII) por mais de dez anos, ou seja, até a edição da Lei nº 9.717, de 27/11/1998. Tal instrumento delegou atribuição ao Ministério da Previdência e Assistência Social para orientar, supervisionar e fiscalizar os Regimes Próprios de Previdência Social, estabelecendo os parâmetros e as diretrizes gerais previstas na Lei.
Em razão disso, adveio a Portaria MPAS nº 4992, de 05/02/1999, que a pretexto de regulamentar a Lei, extrapolou de sua função estabelecendo a necessidade mínima de mil segurados para garantia do equilíbrio atuarial do Regime Próprio de Previdência Social, sem necessidade de resseguro.
É certo que a Lei nº 9.717/98 previa uma série de sanções aplicáveis a partir de 1º de julho de 1999 aos Entes Federados que não adequassem seus Regimes Próprios, incluindo a suspensão das transferências voluntárias de recursos da União, o impedimento para celebrar acordos, contratos, convênios ou ajustes, bem como receber empréstimos, financiamentos, avais e subvenções em geral de órgãos ou entidades da Administração direta e indireta da União, a suspensão de empréstimos e financiamentos por instituições financeiras federais e a suspensão do pagamento dos valores devidos pelo Regime Geral de Previdência Social em razão da Lei nº 9.796/99.
Com isso, muitos Municípios que tinham menos de mil servidores efetivos simplesmente extinguiram seus Regimes Próprios de Previdência Social migrando seus servidores ao Regime Geral de Previdência Social, sem alterar o Regime Jurídico Administrativo.
Outros poucos mantiveram o Regime Próprio de Previdência Social confrontando a Portaria MPAS nº 4992/1999, que acabou sendo alterada pela Portaria MPAS nº 7796, de 28/08/2000, excluindo a referência ao número de mil segurados.
Entretanto, aqueles Municípios que fizeram a migração de seus servidores efetivos para o Regime Geral de Previdência Social – RGPS/INSS sem alterar o Regime Jurídico Administrativo para Trabalhista (transformando os cargos em empregos públicos), confrontaram o próprio texto constitucional (art. 40) que assegura Regime Próprio de Previdência Social – RPPS para os servidores titulares de cargos efetivos.
Logo, vê-se com enorme preocupação a formação de passivo financeiro nos Municípios diante das demandas por benefícios futuros e seus complementos, além da cobrança da chamada compensação financeira entre os regimes de previdência (Lei nº 9.796/99). Isto porque o RGPS/INSS aplica o redutor do chamado "Fator Previdenciário" na concessão das aposentadorias, resultando em beneficio de valor inferior ao recebidos pelo servidor na atividade, além de não conceder beneficio (auxílio-doença e aposentadoria) para aqueles servidores que já foram aposentados anteriormente pelo Regime Geral (em razão de atividade na iniciativa privada). Além disso, adiante o Município será chamado a repassar ao RGPS/INSS a compensação financeira pelo período em que o servidor ficou vinculado ao Regime Próprio de Previdência Social.
Portanto, diante da aplicação rigorosa da Lei de Responsabilidade Fiscal é fundamental que os Municípios façam uma reavaliação do quadro fático, retomando a criação do Regime Próprio de Previdência Social para seus servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo.
A própria Confederação Nacional de Municípios (CNM) incentiva os Municípios a implantarem o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), e neste processo, orienta mais de 700 Municípios. De acordo com os dados da entidade, atualmente 1.900 Municípios (dentre os 5.563 existentes) optaram por este regime no País. A CNM defende a mudança do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) para o RPPS, pois a economia trazida pelo segundo pode chegar a 50%.
A mudança deste cenário enfrentará uma resistência extra de servidores em final de carreira, eis que o Regime Geral de Previdência Social possibilita a contagem de tempo de serviço sem contribuição (como a atividade rural) ou em condições especiais, além de não exigir idade mínima para concessão do chamado benefício integral, propiciando a inatividade antecipada, se comparado com as regras próprias dos RPPS (art. 40 da CF).
Luiz Claudio Kades – Assessor Jurídico da AMMVI; Especialista em Direito Público.