Senado vota e acelera PEC dos Precatórios

O agravamento das dificuldades financeiras dos municípios brasileiros levou os senadores a aprovarem ontem, em tempo recorde, a polêmica proposta de emenda constitucional (PEC) que cria regras especiais para pagamento de precatórios (dívidas de União, Estados e municípios decorrentes de sentença judicial) atrasados. Num único dia, a PEC dos Precatórios foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário, graças a acordo entre líderes partidários. A CCJ aprovou pela manhã o parecer de Kátia Abreu (DEM-TO) e o plenário, em primeiro turno, por 54 votos. No segundo, 58 votaram a favor. Em ambas as votações houve uma única abstenção e nenhum voto contrário. A PEC vai à Câmara.

A proposta cria um regime especial, pelo prazo de até 15 anos, para pagamento de precatórios pendentes de pagamento. O estoque é calculado em R$ 100 bilhões, segundo a relatora. Nesse regime, Estados e municípios têm que depositar anualmente, em uma conta especial, um valor calculado sobre as respectivas receitas correntes líquidas. Esse percentual será fixado com base no volume da dívida em precatórios da entidade federativa devedora.

A PEC cria quatro faixas para Estados e quatro para municípios. No caso dos Estados, os percentuais variam de 0,6% a 2% (para um estoque mínimo de até 10% da receita corrente líquida da entidade devedora e máximo de mais de 35%). Para os municípios, os percentuais a serem depositados anualmente variam de 0,6% a 1,5%.

Esses recursos irão para uma conta especial (a ser gerida pelo Judiciário) e serão assim destinados: 60% ao pagamento de precatórios por meio de leilão eletrônico – mecanismo opcional, pelo qual o credor poderá negociar o precatório com deságio – e 40% para pagamento à vista, em fila crescente de valor.

Para os precatórios novos, a prioridade será dos débitos de natureza alimentícia (decorrente de salário, vencimento, provento, pensões, benefícios previdenciários, indenizações por morte ou invalidez), cujos titulares tenham 60 anos ou mais – até o limite de 90 salários mínimos para municípios e 120 para Estados. O restante seguirá a ordem cronológica de apresentação do precatório. O valor dos precatórios será atualizado com base na correção da poupança – TR (Taxa Referencial) mais 5%.

Um dispositivo da PEC que atende especialmente aos interesses dos municípios é o que veda o sequestro de valores de Estado ou município que esteja realizando pagamentos no regime especial. Pela regra atual, o não pagamento pode ser punido com o sequestro de recursos financeiros da entidade executada.

Atualmente, a regra de pagamento dos precatórios, prevista no artigo 100 da Constituição, prevê prioridade para pagamento de precatórios alimentícios e, para os demais, o critério é exclusivamente o da ordem cronológica de apresentação. Emenda Constitucional aprovada em 2000 permitiu que precatórios pendentes à época poderiam ser liquidados em dez anos.

Pela PEC, o chefe do Executivo que não cumprir o pagamento estará sujeito a enquandramento na Lei de Responsabilidade Fiscal. A entidade devedora não poderá contrair empréstimo nem receber transferências voluntárias. A União também reterá os repasses relativos aos fundos de participação. O texto original foi elaborado em 2006 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, e tem como primeiro signatário o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL).

A reunião da CCJ contou com a presença de um grupo de prefeitos – entre eles Gilberto Kassab (DEM), de São Paulo, e o presidente da Frente Nacional de Prefeitos, o petista João Paulo Lima, ex-prefeito de Recife. Em seu parecer, Kátia encampou as reivindicações dos prefeitos.

A proposta enfrenta oposição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que a considera a institucionalização do calote. Em carta enviada ao presidente da CCJ, Demóstenes Torres (DEM-GO), a entidade diz que os fundamentos da PEC estão "eivados de graves e insanáveis distorções e violência contra os direitos humanos dos credores, a Constituição e o Judiciário".

Para a OAB, o Brasil será o único país do mundo em que governadores e prefeitos terão de cumprir uma lei ou contratos limitados a um percentual da receita líquida. O que haverá, para a entidade, é que acima de "limite arbitrário", os governantes poderão deixar de cumprir seus compromissos. É, para a OAB, "uma indulgência plena para o calote como ferramenta permanente de gestão pública".

O prefeito Gilberto Kassab rebateu o argumento."Não será calote. Ao contrário. A partir de agora, os precatórios poderão ser pagos, porque haverá planejamento", afirmou o prefeito Gilberto Kassab, ao final da reunião da CCJ.

Renan Calheiros manifestoupreocupação com a situação das prefeituras, agravada pelas medidas adotadas pelo governo para minimizar os efeitos da crise financeira mundial. "Os municípios estão em pânico. Muitos vão fechar. A tecnocracia fez caridade com o chapéu alheio, com a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Metade desse imposto fica com a União e metade vai para os municípios, por meio dos fundos de participação. Os tecnocratas deveriam fazer caridade com a metade da União", disse Renan.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Nacional.
Jornalista: Raquel Ulhôa, de Brasília.