Aterro levanta impasse ambiental

BLUMENAU – Da tragédia que destruiu casas, invadiu ruas e levou vidas, sobrou muito mais que más lembranças. A chuva deixou para a cidade uma herança sólida, lamacenta e que precisa de espaço. Desde novembro, a prefeitura recolheu 2,6 milhões de metros cúbicos de barro e entulho, depositados em mais de 100 locais pela cidade. Na Rua Amazonas, na altura do número 1770, o terreno que foi aterrado com 70 mil metros cúbicos de terra, próximo ao Ribeirão do Garcia, é motivo de receio para quem mora na região. A população teme que, em uma próxima enchente, a água venha com mais força, já que o aterro desfez a área em que o ribeirão represava.

– Com certeza vai pegar água onde não chegou em novembro, como na região da Souza Cruz. Antes esse terreno era uma grande represa. Agora a água vai procurar outro lugar – teme a comerciante Regina Celi Furtado, 46 anos, que trabalha perto da área aterrada e precisou plastificar os produtos que ficam expostos na loja, por causa do pó.

O estudante Rafael Schernikau, 23, que também trabalha na região, lembra que, antes da enchente, a área era arborizada e abrigava animais como capivaras e cavalos:

– Faz muito tempo que estão trazendo barro para cá, de forma desordenada. Trouxeram tudo o que era lixo da enchente, tinha restos de geladeira, de cama, colchão.

O terreno particular foi cedido ano passado à Secretaria de Serviços Urbanos e Fiscalização para funcionar como um bota-fora para o material recolhido durante a tragédia. A área não é adequada para receber um aterro – parte do terreno está abaixo da cota de 10 metros de inundação, o que impede o aterramento. O engenheiro civil Adilson Pinheiro, doutor em Recursos Hídricos e Saneamento, confirma que o temor da população procede.

– O aterro foi feito no que chamamos de leito secundário do rio, que é importante para escoar a água. Quanto mais ocupar a área, maiores vão ser os problemas com novas enchentes – afirma Pinheiro, que também coordena o mestrado de Engenharia Ambiental da Furb.

 

Contraponto

O que diz Éder Lúcio Marchi, secretário municipal de Serviços Urbanos:

A Secretaria de Serviços Urbanos e a Faema reconhecem que a área é inadequada para aterro, mas afirmam que a escolha do terreno foi feita devido à urgência em retirar o material das ruas interditadas na época da enchente e liberá-las para que a população tivesse acesso a atendimentos de saúde e alimentação. Segundo Marchi, se as medições comprovarem o avanço do material depositado na faixa de preservação, os resíduos serão retirados. Ele afirma também que o barro depositado sofreu espalhamento e foi compactado, para que não haja acúmulo de água nem contaminação do lençol freático. Faema e Secretaria de Serviços Urbanos farão estudo de impacto ambiental no terreno até o final do mês.

– Para remover aquele material vai ser preciso no mínimo R$ 3 milhões. Isso tem que ficar bem claro: até que ponto é interessante retirar esse material dali, enquanto esse dinheiro poderia ser usado na reconstrução da cidade? – argumenta .

Recuperar área é alternativa para reverter impacto da intervenção

Além do aterramento ser em área inundável, há outra irregularidade ambiental no bota-fora da Rua Amazonas. De acordo com o diretor de Recursos Naturais da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Faema), Vanderlei Luçoli, a faixa de 20 metros de preservação das margens do ribeirão, determinada pelo Plano Diretor de Blumenau, foi desrespeitada. Em contrapartida, o Código Florestal Brasileiro aponta que a margem deve ser de 30 metros.

O engenheiro civil Adilson Pinheiro afirma que o respeito à margem não elimina o impacto do aterro no terreno. Recuperar a área degradada seria a melhor opção para reverter os efeitos da intervenção.

– Nós temos o problema de enchentes, então temos que preservar as condições de escoamento fluvial. Em Blumenau, aterro deveria ser uma palavra proibida – declara.

O geólogo Juares Aumond, doutor em Engenharia Civil e professor da Furb, defende que é preciso planejar a ocupação do espaço com base nos eventos de chuva mais intensas:

– E tem que analisar todo o bairro. Esse tipo de procedimento tem desdobramentos que não ocorrem só no local do aterro.

Veículo: Jornal de Santa Catarina.
Edição: 11598.
Editoria: Geral.
Jornalista: Mariana Furlan (mariana.furlan@santa.com.br).