Uma recente fiscalização realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o governo federal não cumpriu, na prática, em 2007 e 2008, o gasto mínimo em ações e serviços públicos de saúde, definido pela Emenda Constitucional 29. Os auditores do TCU constataram que várias despesas, empenhadas nesses dois anos e incluídas no cálculo do limite mínimo, transformaram-se em "restos a pagar" e foram, posteriormente, canceladas. O cancelamento desses "restos a pagar" implicou o não cumprimento do mínimo constitucional para o gasto com a saúde nos dois anos.
Como até hoje a Emenda Constitucional 29 não foi regulamentada, está valendo a regra definida no artigo 77, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). As despesas mínimas com saúde devem ter como parâmetro o valor efetivamente empenhado no ano anterior corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).
O empenho é a autorização para o gasto, a etapa inicial da execução orçamentária. Mas nem toda despesa empenhada em determinado ano é paga no mesmo exercício. Quando passa para o exercício seguinte, ela é inscrita em "restos a pagar". O problema é que, às vezes, é cancelada antes de ser paga.
Mínimo constitucional não foi cumprido em 2007 e 2008
Os técnicos do TCU constataram que, em 2008, as despesas empenhadas em ações e serviços públicos de saúde atingiram R$ 48,679 bilhões. Como o mínimo exigido era de R$ 48,561 bilhões, houve um excesso (gasto adicional) de R$ 118 milhões. Do total das despesas empenhadas naquele ano, R$ 5,702 bilhões foram inscritas em restos a pagar.
O problema é que, em 2009, o governo cancelou R$ 476 milhões das despesas referentes a ações e serviços de saúde inscritas em restos a pagar em 2008. Por isso, o que era excesso de R$ 118 milhões, transformou-se em déficit de R$ 358 milhões. "Pode-se dizer que, na prática, os gastos de saúde em 2008 apresentaram um déficit da ordem de R$ 358 milhões", informa o relatório do TCU.
Durante o ano de 2009, foram pagos R$ 3,480 bilhões dos restos a pagar da saúde, faltando ainda ser pago R$ 1,745 bilhão. Se houver novos cancelamentos, ou se a vigência dessas dotações expirar, esse déficit poderá ser ainda maior.
Em 2007, ocorreu o mesmo fenômeno. As despesas empenhadas em ações e serviços públicos de saúde ficaram em R$ 44,303 bilhões. Como o mínimo exigido era de R$ 44,275 bilhões, houve um excesso de R$ 28 milhões. Do total das despesas empenhadas em 2007, R$ 5,610 bilhões foram inscritas em restos a pagar. Em 2008, R$ 220 milhões desses restos a pagar foram cancelados e, em 2009, mais R$ 235 milhões foram cancelados. No total, houve cancelamento de R$ 455 milhões.
Por causa disso, o excesso de R$ 28 milhões foi transformado em déficit de R$ 427 milhões. Os técnicos do TCU constataram ainda que, do total de R$ 5,610 bilhões em despesas de saúde inscritas em restos a pagar em 2007, ainda restava a pagar R$ 1,854 bilhão depois de encerrado o exercício de 2009, ou seja, depois de dois anos.
Os gastos com saúde em 2007 e em 2008 apresentaram, até agora, um déficit total de R$ 785 milhões. Isso foi o que deixou de ser aplicado naqueles dois anos para que o mínimo constitucional tivesse sido cumprido. Como várias despesas inscritas em restos a pagar em 2007 e 2008 ainda podem ser canceladas ou terem a vigência expirada, esse déficit poderá ser ainda maior.
Por causa disso, os ministros do TCU decidiram, em acórdão aprovado em sessão do dia 6 deste mês, determinar aos ministérios da Saúde, Fazenda e Planejamento que garantam a aplicação, mediante dotação específica, de montante equivalente aos valores de restos a pagar que sejam cancelados, ou cuja vigência tenha expirado e que foram considerados para fins de cumprimento do limite mínimo com saúde. Essa decisão dos ministros do TCU valerá até que seja regulamentada a Emenda Constitucional 29.
O ministro Raimundo Carreiro, que foi o relator do processo no TCU, diz, em seu relatório, que as dificuldades na apuração do mínimo para a saúde poderão ser minimizadas com aprovação do projeto de Lei Complementar 306, de 2008, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que regulamenta a Emenda 29. O projeto, na forma do substitutivo apresentado pelo deputado Pepe Vargas (PT-RG), determina que, para efeito de cálculo dos recursos mínimos para a saúde, sejam consideradas as despesas liquidadas e pagas no exercício e as despesas empenhadas e não liquidadas, inscritas em restos a pagar até o limite das disponibilidade de caixa ao final do exercício, consolidadas no Fundo de Saúde.
Diz ainda que a disponibilidade de caixa vinculada aos restos a pagar, e posteriormente cancelados ou prescritos, deverá ser, necessariamente, aplicada em ações e serviços públicos de saúde. A decisão do TCU deste mês antecipa, em parte, o entendimento do projeto que regulamenta a emenda constitucional 29.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2622.
Editoria: Brasil.
Página: A2.
Jornalista: Ribamar Oliveira (ribamar.oliveira@valor.com.br).