Governo abriga demandas ruralistas no texto do Código

Em blitz no Congresso para garantir "consenso" em sua coalizão parlamentar para votar a reforma do Código Florestal, o governo defendeu ontem pontos amplamente rejeitados por ambientalistas. E abriu algumas deserções em sua base parlamentar.

Um inédito documento da Casa Civil, entregue por ministros a líderes partidários e obtido pelo Valor, propõe a isenção de "responsabilidade penal" aos desmatamentos com compromisso de regularização e dispensa a recuperação da vegetação obrigatória (reserva legal) quando a lei fixava áreas menores. Também permite a exploração de margens de cursos d'água (APPs) por "interesse social" e "baixo impacto", dispensa APPs em açudes e prevê o "uso sustentável" das reservas legais.

A proposta do governo também autoriza recuperação de apenas metade das APPs em "áreas consolidadas", libera a compensação dessas áreas fora do Estado da origem da devastação e consente plantios perenes (café, uva e frutas) em "APPs de relevo", além de hortaliças em áreas com declividade até 45 graus. Prevê, ainda, a recuperação de metade das reservas legais com "espécies exóticas" imóveis até 150 hectares ou quatro módulos fiscais (de 20 a 400 hectares, segundo a região).

A reunião de ontem foi tensa. O relator do código, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), discutiu asperamente com o líder do PT, Paulo Teixeira (SP). Ambos divergiram sobre a data de votação no plenário da Câmara. Teixeira defendeu o adiamento para meados de maio. Rebelo insistiu em um acordo anterior e quer votar na próxima semana.

Na busca de uma "saída honrosa" para sua base ambientalista, sobretudo de deputados do PT, o governo rejeitou, no encontro, dois pontos defendidos pelos ruralistas: a redução, de 80% para 50%, da área de reserva legal (RL) nos cerrados da Amazônia Legal e a isenção de recomposição dessas RLs em áreas de até quatro módulos fiscais – 20 a 400 hectares, segundo a região do país.

Mas o consenso buscado pelo governo ainda parece bastante frágil. "Esse quase consenso não existe", afirmou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP). A reunião da "comissão de negociação", criada para ampliar o debate na Câmara, ouviu ontem dirigentes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que defenderam o adiamento da votação por dois anos. Os cientistas entregaram à comissão extenso documento onde questionam as bases científicas usadas pelo Congresso na proposta de reforma do código. Ambientalistas e ruralistas voltaram a divergir nos principais pontos da reforma. "Temos que ouvir a ciência. Isso aqui (documento) é música para meus ouvidos", afirmou o deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP). Em resposta, o ruralista Valdir Colatto (PMDB-SC) disse que as discussões foram "exaustivas" e cobriram todo o país. "Viajamos por todos os Estados, fizemos 62 reuniões e ouvimos cientistas e ambientalistas. Agora, é hora de votar", defendeu.

A reunião também avançou em temas até agora evitados pelo governo. A delegação de poderes para Estados legislarem em questões ambientais foi a principal. Essa proposta está contida no projeto de lei complementar em tramitação no Senado. E o governo não se manifestou sobre o assunto. Outro ponto polêmico é a obrigação de georreferenciamento para inscrição de áreas no cadastro de regularização fundiária. O plantio em áreas alagadas, conhecida como cultura de vazante, poderia ser admitida em casos de "interesse social" de pequenos produtores, segundo estuda o governo.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2743.
Editoria: Política.
Página: A
Jornalista: Mauro Zanatta, de Brasília.