É real a ameaça apontada por associações de municípios de que o salário mínimo em vigor desde o dia 1.º e o novo piso nacional dos professores provoquem o desequilíbrio das contas de muitas prefeituras, colocando-as fora dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para os gastos com pessoal. Embora passíveis de punição por descumprimento da lei, desta vez os prefeitos e outros administradores municipais não serão responsáveis pelos gastos além do estabelecido na LRF. Estarão apenas cumprindo outra determinação legal, de cuja decisão não participaram.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) prevê que 1 em cada 5 dos 5.565 municípios brasileiros poderá ter dificuldades para fechar suas contas neste ano nos limites da LRF. A CNM calcula que, no total, o novo salário mínimo, de R$ 622, e o aumento do piso nacional dos professores acrescentarão R$ 8 bilhões às despesas municipais.
Praticamente toda a receita dos pequenos municípios brasileiros vem de transferências do governo federal (por meio do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, constituído por uma parcela da arrecadação tributária da União) e do respectivo governo estadual (parcela da arrecadação do ICMS). Esses municípios têm muito pouca margem para aumentar a arrecadação própria. Podem, quando os administradores têm disposição para isso, reduzir despesas.
No caso do novo salário mínimo e do novo piso dos professores, porém, os prefeitos nada podem fazer. Têm de pagar o valor determinado pela lei.
Neste ano, por causa da regra proposta pelo governo Lula e aprovada pelo Congresso Nacional – segundo a qual o mínimo será anualmente corrigido de acordo com a inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes -, o mínimo é 14,13% maior do que o de 2011. O piso do vencimento dos professores, por sua vez, pode ter correção de até 22%.
As transferências da União, no entanto, deverão crescer bem menos. A previsão do Tesouro Nacional é de repassar para os municípios 8,3% mais do que repassou em 2011. O economista e geógrafo François Bremaeker, da organização não governamental Transparência Municipal, considera a previsão otimista demais.
Medidas tomadas pelo governo federal para amenizar o impacto da crise global sobre a atividade econômica no País têm reduzido as transferências para os municípios. Em 2009, o total do FPM foi menor do que o de 2008, o que, por pressão dos prefeitos, acabou sendo compensado com recursos adicionais liberados em 2010. O resultado final foi crescimento zero. Entre 2008 e 2011, o valor das transferências cresceu 25%, mas o salário mínimo aumentou 31%.
Em entrevista ao Estado (14/1), o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, disse que, no ano passado, 650 municípios estouraram o limite de gastos com pessoal da LRF. Não há cálculos exatos sobre o impacto dos novos reajustes sobre as finanças municipais, mas já se estima que o problema afetará as contas de mais de mil municípios.
O presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM) e prefeito de São Gonçalo do Pará, Ângelo Roncalli (PR), tem uma visão realista da questão. "Para quem recebe, os aumentos são legítimos", disse ao Estado, referindo-se ao caso de seu município. "Mas vou ter de adequar a prefeitura demitindo contratados e reestruturando cargos comissionados. Senão, passo do limite da LRF. E, se fechar as contas com gasto maior, elas serão reprovadas."
Por muitas razões – a principal é que foram criados por políticos ambiciosos, sem que tivessem condições de sustentar uma estrutura administrativa básica -, os municípios menores vivem às voltas com dificuldades financeiras, mesmo pagando o salário mínimo para a maior parte de seus funcionários. A imposição a eles de regras nacionais que implicam aumento extraordinário de despesas, sem que lhes seja concedida a possibilidade de aumentar suas receitas na mesma proporção, pode empurrar seus administradores para a ilegalidade fiscal. Esta é uma questão que exige reflexão das autoridades federais e estaduais.
O Estado de S. Paulo