Constituição faz 20 anos

Na manhã do dia 6 de outubro de 1988 o então juiz Eralton Joaquim Viviani acordou os filhos, José Alberto, seis anos, e Luís Augusto, sete, para celebrar um fato histórico: a promulgação, na tarde do dia anterior, da nova Constituição Federal.

Naquela data, os principais jornais do país, entre eles o Diário Catarinense, estampavam na primeira página aquela que é considerada a maior conquista da sociedade desde o fim do regime militar, que em 1964 derrubou o presidente João Goulart do poder e mergulhou o país em um período ditatorial que durou até 1985.

Para registrar o momento, Viviani fotografou os filhos segurando o exemplar do DC com os 245 artigos da nova Constituição. Assim como na casa da família do magistrado, por todo o país a chegada do principal instrumento da redemocratização era comemorada com euforia.

Fruto de 19 meses de trabalho de 559 deputados e senadores, a nova Carta era o retrato de uma sociedade ávida por democracia, por direitos e garantias fundamentais, por eleições livres e diretas, pelo fim das opressões do Estado totalitário.

– Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada (…) não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira e desbravadora – definiu o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, ao apresentar a Carta Magna ao povo brasileiro.

Vinte anos e 62 emendas depois, o país volta a debater o papel da Constituição Federal na construção de uma sociedade mais justa.

– Vejo que pouco avançamos como democracia verdadeira. O poder e os privilégios continuam concentrados nas mãos de poucos. A redução da desigualdade foi muito pálida, o mundo político continua exibindo muita bossa, muito discurso, mas pouca consistência e trabalho eficaz – avalia Eralton Viviani, 63, hoje aposentado da magistratura, mas exercendo a advocacia.

Ministro Gilmar Mendes defende aperfeiçoamento

Considerado um dos maiores constitucionalistas do Brasil, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu, em solenidade em alusão aos 20 anos da CF, que "há necessidade de aperfeiçoamento".

Na avaliação do ministro, o instituto da Medida Provisória no sistema presidencialista, com o modelo de trancamento da pauta do Congresso Nacional instituído pela Emenda 32, "pode ter efeito deletério" à democracia, já que torna o legislativo refém do executivo.

Entretanto, para Mendes, há o que comemorar, já que o texto aprovado em 1988 é o "mais extenso catálogo de direitos fundamentais do mundo", responsável pelo "inédito período de estabilidade democrática e inegável amadurecimento da população".

 

A primeira emenda

No dia 6 de outubro de 1988, menos de 24 horas depois de promulgada, a Câmara recebeu a primeira proposta de mudança no texto da Constituição.

O deputado Amaral Netto propôs que o Congresso introduzisse na Constituição a pena de morte para quem cometesse assassinato depois de estupro, roubo ou assalto.

A proposta tramitou na Câmara por quase 10 anos, mas nunca foi votada pelo Plenário, já que o relator da matéria, deputado Adhemar de Barros Filho, deu parecer pela sua inconstitucionalidade.

Os constituintes catarinenses

Deputados

Alexandre Puzyna (PMDB)

Antônio Carlos Konder Reis (PDS)

Artenir Werner (PDS)

Cláudio Ávila (PFL)

Eduardo Pinho Moreira (PMDB)

Francisco Kuster (PMDB)

Geovah Amarante (PMDB)

Henrique Córdova (PDS)

Ivo Vanderlinde (PMDB)

Luiz Henrique (PMDB)

Neuto de Conto (PMDB)

Orlando Pacheco (PFL)

Paulo Macarini (PMDB)

Renato Vianna (PMDB)

Ruberval Pilotto (PDS)

Victor Fontana (PFL)

Vilson Souza (PMDB)

Walmor de Luca (PMDB)

Senadores

Dirceu Carneiro (PMDB)

Ivan Bonato (PFL)

Nelson Wedekin (PMDB)

Os direitos fundamentais dos cidadãos são garantidos

O maior legado da Constituição Federal de 1988 foi assegurar a materialização dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

A opinião é do juiz catarinense Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), professor de direito constitucional e recentemente nomeado pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar Mendes, membro do comitê criado pelo CNJ para colocar em prática medidas de combate a exploração infantil.

– O balanço em relação aos 20 anos da Constituição Federal é positivo, já que vários direitos foram materializados na carta de 1988, a começar pelos direitos fundamentais, os quais, além do reconhecimento, ganharam a cláusula da aplicabilidade imediata, o que deve ser entendido como uma potencialização para sua aplicação – avalia o magistrado, por meio da assessoria de imprensa da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC).

Na opinião de Oliveira Neto, a magistratura de um modo geral tem feito cumprir a Constituição Federal e dado ênfase à efetivação dos direitos e garantias fundamentais. O juiz afirma que concorda com a postura defendida por muitos juristas, como o ministro Carlos Ayres Brito, do STF, que têm defendido uma postura mais humanista por parte dos magistrados.

– Minha sensação é de que a maioria da magistratura já tem internalizado esse sentimento, qual seja, de que é necessário pensar mais na concretização do direito em si do que no formalismo. É bem verdade que determinadas regras formais são importantes, até mesmo para a garantia de direitos, como por exemplo, o direito a ampla defesa. Contudo, não se pode exagerar em relação a ele de modo a impedir a concretização do direito constitucionalmente assegurado – comenta o magistrado catarinense.

Uma resposta aos apelos da sociedade

O sonho da nova Constituição, de romper as regras estabelecidas no regime militar, teve inicio na campanha de Tancredo Neves para a presidência da República.

Tancredo sonhou com uma nova Constituição e prometeu fazê-la, mas ele morreu sem ver seu sonho realizado.

Coube ao seu sucessor, José Sarney, convocar a Constituinte e ao seu melhor amigo, Ulysses Guimarães, promulgar a nova Constituição brasileira, na tarde de 5 de outubro de 1988, exatamente às 15h54min.

Sob o comando do Senhor Diretas, ou "o Grande Timoneiro" e presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães (PMDB/SP), a "Constituição Cidadã", como ele a chamou, foi promulgada quando ele pronunciou as palavras históricas: "Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil".

Para assinar a Carta Magna, que é a lei maior do país, Ulysses fez questão de usar, entre muitas canetas que lhe foram oferecidas, aquela que recebeu dos funcionários da Câmara dos Deputados, num reconhecimento ao apoio que recebeu deles e ao trabalho que realizaram sob a sua liderança.

A nova Constituição nasceu como resposta às reivindicações da sociedade por mudanças estruturais no país, após o encerramento do ciclo de 20 anos de governos militares, a eleição do ex-governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, para a presidência da República pelo Colégio Eleitoral, sua morte antes da posse e a substituição pelo vice José Sarney.

Num discurso histórico, Ulysses consolidou o processo de retomada do Estado Democrático de Direito, iniciado 10 anos antes, no governo do general Ernesto Geisel, com a chamada abertura "lenta, gradual e segura" do regime militar.

Constituinte começou com uma disputa

Instalada no dia 1º de fevereiro de 1987, a Constituinte começou com uma disputa pela presidência, entre os deputados Ulysses Guimarães e Lysâneas Maciel (PDT/RJ), refletindo a divisão que iria marcar toda a sua trajetória entre as correntes de direita, centro-direita e esquerda polarizadas.

Os centro-direitistas venceram e elegeram Ulysses, por 425 votos contra 69 e 28 em branco. Durante os 19 meses de trabalho da Constituinte, foram realizadas 341 seções e 1029 votações. A média de freqüência dos deputados e senadores nas votações foi de 70,68%.

O texto promulgado teve um caráter peculiar: os constituintes partiram do zero para formular um modelo próprio de resgate dos direitos do cidadão. Daí a definição dada pelo próprio Ulysses ao texto aprovado pelos constituintes (deputados e senadores): "Constituição Cidadã".

 

História do Brasil

1ª – Constituição de 1824 (Brasil Império)

Apoiado pelo Partido Português, constituído por ricos comerciantes portugueses e altos funcionários públicos, D. Pedro I dissolveu a Assembléia Constituinte em 1823 e impôs seu próprio projeto, que se tornou a primeira Constituição do Brasil. Datada de 25 de março de 1824 e contendo 179 artigos, é considerada uma imposição do imperador.

Entre as principais medidas, destaca-se o fortalecimento do poder pessoal do imperador, com a criação do Poder Moderador, que estava acima dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. As províncias passam a ser governadas por presidentes nomeados pelo imperador e as eleições são indiretas e censitárias. O direito ao voto era concedido somente aos homens livres e proprietários, de acordo com seu nível de renda, fixado na quantia líquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos.

2ª – Constituição de 1891 (Brasil República)

Após a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, houve mudanças significativas no sistema político-econômico do país, com a abolição do trabalho escravo, a ampliação da indústria e o deslocamento de pessoas do meio rural para centros urbanos.

O marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República e chefe do governo provisório, e Rui Barbosa, seu vice, nomearam uma comissão de cinco pessoas para apresentar um projeto a ser examinado pela futura Assembléia Constituinte.

As principais inovações dessa nova Constituição, datada de 24 de fevereiro de 1891, são: instituição da forma federativa de Estado e da forma republicana de governo; estabelecimento da independência dos Poderes; sufrágio com menos restrições; separação entre a Igreja e o Estado.

3ª – Constituição de 1934 (Segunda República)

Presidido por Getúlio Vargas, o país realiza nova Assembléia Constituinte, instalada em novembro de 1933. A Constituição, de 16 de julho de 1934, traz a marca getulista das diretrizes sociais e adota as seguintes medidas: maior poder ao governo federal; voto obrigatório e secreto a partir dos 18 anos, com direito de voto às mulheres; criação da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho; criação de leis trabalhistas, instituindo jornada de trabalho de oito horas diárias, repouso semanal e férias remuneradas.

Essa Constituição sofreu três emendas em dezembro de 1935, destinadas a reforçar a segurança do Estado e as atribuições do Poder Executivo.

4ª – Constituição de 1937 (Estado Novo)

Em 10 de novembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas revogou a Constituição de 1934, dissolveu o Congresso e outorgou ao país a Carta Constitucional do Estado Novo, com a supressão dos partidos políticos e concentração de poder nas mãos do chefe do Executivo. Essa Carta é datada de 10 de novembro de 1937.

Entre as principais medidas adotadas, destacam-se: instituição da pena de morte; supressão da liberdade partidária e da liberdade de imprensa; anulação da independência dos Poderes Legislativo e Judiciário e eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos.

Após a deposição de Vargas, o novo presidente José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), constituiu outro ministério e revogou o artigo 167 da Constituição, que adotava o estado de emergência.

5ª – Constituição de 1946

Essa Constituição, datada de 18 de setembro de 1946, retomou a linha democrática de 1934 e foi promulgada de forma legal, após as deliberações do Congresso recém eleito, que assumiu as tarefas de Assembléia Nacional Constituinte.

Entre as medidas adotadas destacam-se o restabelecimento dos direitos individuais, o fim da censura e da pena de morte. A Carta também devolveu a independência ao Executivo, Legislativo e Judiciário. Foi instituída a eleição direta para presidente da República, com mandato de cinco anos. Destaca-se entre as emendas promulgadas, o ato adicional de 2 de setembro de 1961, que instituiu o regime parlamentarista. Como essa emenda previa consulta popular, por meio de plebiscito, realizado em janeiro de 1963, o país retomou o regime presidencialista.

6ª – Constituição de 1967 (Regime Militar)

O contexto predominante nessa época era a política da segurança nacional, que visava combater inimigos internos do regime governado por Humberto de Alencar Castelo Branco. Instalado em 1964, o regime militar conservou o Congresso Nacional, mas dominava e controlava o Legislativo. Dessa forma, o Executivo encaminhou ao Congresso uma proposta de Constituição que foi aprovada e promulgada no dia 24 de janeiro de 1967.

A Constituição manteve a Federação e adotou a eleição indireta para presidente da República, por meio de Colégio Eleitoral formado pelos integrantes do Congresso e delegados indicados pelas Assembléias Legislativas.

Essa Constituição foi emendada por sucessiva expedição de Atos Institucionais (AIs), que serviram de mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos militares, dando a eles poderes extra-constitucionais. De 1964 a 1969, foram decretados 17 atos institucionais. Um deles, o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, foi um instrumento que deu ao regime poderes absolutos e cuja primeira conseqüência foi o fechamento do Congresso Nacional por quase um ano.

7ª – Constituição de 1988 (Constituição Cidadã)

Em 27 de novembro de 1985, por meio da emenda constitucional 26, foi convocada a Assembléia Nacional Constituinte para elaborar o novo texto constitucional.

Datada de 5 de outubro de 1988, a Constituição ampliou as liberdades civis e os direitos e garantias individuais. A nova Carta consagrou cláusulas transformadoras com o objetivo de alterar relações econômicas, políticas e sociais, concedendo direito de voto aos analfabetos e aos jovens de 16 a 17 anos e instituindo novos direitos trabalhistas, como redução da jornada semanal de 48 para 44 horas, seguro-desemprego e férias remuneradas acrescidas de um terço do salário.

Também foram adotadas as seguintes medidas pela Constituição de 1988: instituição de eleições majoritárias em dois turnos; direito à greve e liberdade sindical; aumento da licença-maternidade de três para quatro meses; licença-paternidade de cinco dias; leis de proteção ao meio ambiente e fim da censura.

São contabilizadas, na Constituição de 1988, 62 reformas em seu texto original, sendo 56 emendas constitucionais – a última feita no dia 20 de dezembro de 2007 – e seis emendas constitucionais de revisão da Carta.

Fonte: Site do Congresso Nacional (www.congresso.gov.br/anc88/)

As constituições pelo mundo (VER ANEXO 56)

Veículo: Jornal Diário Catarinense.
Edição: 8216.
Editoria: Reportagem Especial.
Página: 4 e 5.
Jornalista: João Cavallazzi.