Um dos efeitos mais sensíveis da Constituição de 1988 ocorreu no bolso do contribuinte. A carga de impostos subiu de 24% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1987, para cerca de 35% do PIB em 2007 – estimativa de analistas, já que a Receita Federal ainda não divulgou dados fechados do ano passado.
O movimento de alta de impostos começou porque a União perdeu tributos para os Estados e municípios, que também ampliaram a participação na receita do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A descentralização de recursos não foi acompanhada por um repasse equivalente das atribuições para os governos estaduais e as prefeituras. Ao contrário, os constituintes elevaram consideravelmente os gastos da União com benefícios previdenciários e assistenciais – eles subiram de 3,6% do PIB em 1987 para 12% do PIB no ano passado.
A elevação da carga mordeu recursos de empresas e cidadãos, mas não bastou para equilibrar as contas. O governo teve de fazer cortes dramáticos nos investimentos públicos. Em 1987, ele investia o equivalente a 2,6% do PIB. O gasto caiu para 0,6% do PIB em 2005 e só agora está sendo retomado, via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Com a Constituição, a União perdeu os impostos únicos sobre minerais, energia elétrica, telecomunicações e combustíveis e lubrificantes. "Esses tributos passaram a fazer parte da base do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM)", explica o ex-secretário da Receita Everardo Maciel. Ao incorporar a base tributária dos serviços, o ICM passou a ser ICMS, hoje o principal tributo estadual.
Até 1987, a União transferia 17% da receita com o IPI e IR para o Fundo de Participação dos Municípios e 14% para o Fundo de Participação dos Estados. Os constituintes elevaram as transferências para 47% do IR e para 57% do IPI.
A luta do governo federal para recompor sua receita começou logo depois que a Constituição foi promulgada. "Usaram-se as contribuições sociais, pois elas não são partilhadas com Estados e municípios", explica Everardo.
Em 1989, o governo propôs, e o Congresso aprovou, a criação da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Em 1991, surgiu a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), com alíquota de 2%, em substituição ao Finsocial, que tinha alíquota de 0,5%. A receita seria destinada a financiar benefícios previdenciários e assistenciais criados pelos constituintes. Na crise da Ásia, em 1997, a alíquota foi elevada, provisoriamente, para 3%. A crise passou e a alíquota não caiu.
Em 1993, o governo Itamar Franco propôs a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, depois Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Conhecida como "Imposto do Cheque", ela só acabou em dezembro de 2007.
O governo conseguiu aumentar a sua arrecadação, mas passou a enfrentar outro problema: a excessiva vinculação das receitas orçamentárias. Os constituintes obrigaram a União a destinar 18% de sua receita com impostos para a educação. Além disso, todas as receitas das contribuições eram vinculadas, pela Constituição, às finalidades para as quais foram criadas. Para equilibrar suas contas, o governo precisava de autorização do Congresso para remanejar receitas e cobrir gastos. Em 1994, propôs a desvinculação de 20% de todas as receitas da União via Fundo Social de Emergência (FSE). Base fiscal do Plano Real, ele se transformou na Desvinculação de Receitas da União (DRU).
Em 2001, o governo propôs a criação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), cobrada sobre os combustíveis. "Ela substituiu um imposto secreto, a PPE (Parcela de Preço Específica)", diz Everardo. A PPE era paga pela Petrobrás nas suas operações comerciais com petróleo. Com o fim do monopólio da Petrobrás, o governo criou um tributo que alcançasse todas as empresas do setor.
A arrecadação da União aumentou ainda com a mudança do sistema de cobrança da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Cofins, que passaram a incidir sobre importações.
Este ano, para compensar o fim da CPMF, o governo elevou as alíquotas da CSLL paga pelos bancos e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Com isso, a carga tributária em 2008 baterá novo recorde – algo próximo a 36% do PIB, segundo especialistas.
Veículo: Jornal O Estado de S. Paulo.
Editoria: Nacional.
Jornalista: Ribamar Oliveira.