Reformas política e tributária à espera de consenso

O texto constitucional aprovado em 1988 ainda vai merecer várias modificações para que fique mais adequado à realidade mundial e brasileira, segundo algumas das principais lideranças políticas, empresariais e sindicais do País. Mesmo com esse diagnóstico, não existe consenso sobre a agenda dos próximos anos. As reformas política e tributária são as únicas apoiadas por todos, embora não exista acordo sobre o conteúdo das mudanças.

Para alguns, a reforma política poderá ser feita de maneira "fatiada" e não necessariamente implicará alterações no texto constitucional. Para outros, a reforma tributária só passará no Congresso se for votada com uma mudança do pacto federativo, que defina claramente as atribuições de cada ente da Federação e repasse mais recursos para os Estados e os municípios – em uma nova descentralização de receitas, como aquela realizada pelos constituintes de 1988.

Hoje existe clareza de que o texto da Constituição foi atropelado pela liberalização da economia após a queda do Muro de Berlim, pelo processo de globalização e de redução da intervenção do Estado na economia. Na contramão desse movimento, os constituintes produziram um texto com viés estatizante e movido pela idéia de que cabia ao Estado pagar a dívida social do País.

"O que predominou foi a visão do Estado paternalista, benfeitor e intervencionista", diz o economista Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda durante a Constituinte. "O texto resultou de uma profunda ignorância sobre como funciona a economia e de uma idéia equivocada de que a lei muda a realidade."

As reformas feitas na Constituição na década de 1990 atenuaram alguns dos problemas citados por Maílson. Eliminaram a diferenciação entre empresa nacional e estrangeira, quebraram o monopólio estatal do petróleo e abriram caminho para a privatização de setores como as telecomunicações. "Os maiores pecados dos constituintes de 1988 já foram corrigidos", avalia o presidente do PP, senador Francisco Dornelles (RJ). Agora, entende Dornelles, a reforma fundamental é a política.

O presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), concorda. Ele defende o ?distritão?: os deputados seriam eleitos por suas votações diretas, num sistema majoritário vinculado a uma fidelidade partidária rigorosa. Para ele, a reforma política deve ser ?fatiada?, isto é, pode ser feita gradualmente. O presidente do PMDB diz que 2009 "será o ano da reforma política".

O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) também acredita que a reforma pode ser diluída ao longo do tempo. Mas ressalta a urgência de mudanças. Diz que o sistema atual alimenta o fisiologismo e a barganha de partidos com o governo, facilita a fragmentação partidária e fragiliza a governabilidade.

A necessidade da reforma tributária também é consensual, mas alguns partidos estão colocando uma premissa que poderá dificultar sua tramitação. O DEM quer rediscutir o pacto federativo, deixando claras as atribuições e recursos de Estados, municípios e União. "Na verdade, a redefinição do pacto federativo tornará mais efetivo o resultado da reforma tributária", alega o deputado Rodrigo Maia.

O líder tucano na Câmara, José Aníbal (SP), vai pelo mesmo caminho, mas defende claramente mais recursos para os municípios. "Eles precisam ter um quinhão a mais." Dornelles concorda. Diz que a União "concentra poderes exagerados".

Maílson adverte para o risco de a nova descentralização de recursos reeditar o que ocorreu em 1988, quando constituintes transferiram receitas para Estados e municípios, mas não as atribuições. "Não será possível para a União transferir algumas despesas, como as da Previdência. A proposta resultará em inflação ou aumento da carga tributária."

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, diz que o projeto de reforma tributária que o governo encaminhou à Câmara representa um avanço. Mas adverte que, se ele for aprovado, o Brasil continuará com um sistema complicado de tributos. A proposta prevê a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) federal, que existirá juntamente com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual, e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). "Ainda haverá três sistemas de tributação."

Não há consenso sobre a necessidade de outras reformas. Mudanças nas regras do sistema previdenciário são descartadas pelo presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos. "Já provamos que a saída para a Previdência é a inclusão de trabalhadores no sistema", diz, referindo-se ao aumento do registro em carteira. Ele lembra que o déficit da Previdência começou a cair nos últimos anos com a maior formalização da economia.

Para o economista Fábio Giambiagi, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a reforma da Previdência é a mais importante de todas. "Com a sociedade caminhando rumo ao envelhecimento demográfico progressivo, não faz sentido que as mulheres continuem se aposentando, em média, aos 51 anos."

A CUT é contra também a reforma trabalhista, defendida por empresários e economistas. Para o presidente da CNI, a Constituição ampliou direitos e enrijeceu as relações entre patrões e empregadores. "Tudo é tutelado", diz. "A reforma trabalhista é a mais difícil de todas", admite Mercadante.

Veículo: Jornal O Estado de S. Paulo.
Editoria: Nacional.
Jornalista: Ribamar Oliveira.