Arrecadação vai sofrer com lucros menores

A perspectiva de desaceleração mais forte da economia em 2009 deve fazer estragos na arrecadação de tributos, especialmente nos que mostram crescimento mais forte neste ano. As receitas com impostos e contribuições ligados ao lucro, ao faturamento e à formalização do mercado de trabalho avançam a passo firme – todas elas variáveis que serão afetadas, em maior ou menor medida, pela perda de fôlego da economia.

Dependendo da magnitude da desaceleração esperada para 2009, o governo pode ter dificuldades para cumprir a meta de superávit primário de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), dizem alguns analistas. Essa possibilidade, porém, não causa grande preocupação: a relação entre a dívida pública e o PIB está num nível que não é explosivo – 38,3%, bem abaixo dos mais de 50% do começo da década – e a alta do dólar tem um impacto favorável sobre esse indicador, porque os ativos do país em moeda forte superam os passivos.

Nos nove primeiros meses do ano, a arrecadação total administradas pela Receita Federal do Brasil cresceu 9,27% acima da variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou R$ 41,5 bilhões. Quase 48% desse total veio do aumento da receita de dois tributos que incidem sobre o lucro – o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). De janeiro a setembro, a arrecadação dos dois subiu 24,4% reais, para R$ 101,1 bilhões. Para 2009, com um crescimento mais fraco do PIB, esses números devem ser bem mais modestos, diz a economista Margarida Gutierrez, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os analistas ouvidos semanalmente pelo Banco Central projetam expansão do PIB de 3,1% em 2009, abaixo dos 5,23% previstos para 2008.

O economista Fábio Silveira, da RC Consultores, considera possível que a taxa de crescimento da arrecadação do IRPJ e da CSLL caia dos quase 25% em termos reais até setembro para metade ou até mesmo para 10%. "A lucratividade das empresas vai cair bastante, não tem jeito", afirma ele. Silveira projeta uma alta do PIB de apenas 2% em 2009.

A economista Fernanda Feil, da Rosenberg & Associados, acredita que a receita de impostos como o IRPJ e a CSLL pode sofrer algum impacto da desaceleração da atividade já em dezembro deste ano ou janeiro do ano que vem. Ela observa que as perdas de grandes empresas exportadoras com derivativos, causadas pela alta do dólar, também pode diminuir a lucratividade de algumas companhias. "Isso pode levar empresas a registrar prejuízos em alguns trimestres."

Segundo Fernanda, a receita de tributos ligados ao faturamento, como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Programa de Integração Social (PIS), também será afetada. De janeiro a setembro, a arrecadação da Cofins e do PIS-Pasep cresceu 11,69% acima da variação do IPCA, atingindo R$ 114,8 bilhões. Em termos absolutos, o aumento foi de R$ 13,7 bilhões, respondendo por 33% da alta registrada por toda os impostos administrados pela Receita.

O menor crescimento também vai impactar a receita obtida com a contribuição previdenciária, que aumentou 11,69% em termos reais de janeiro a setembro, atingindo R$ 128,9 bilhões. "O emprego formal deverá crescer a um ritmo mais fraco", diz Margarida. Isso vai levar a uma inevitável desaceleração no ritmo de expansão da receita previdenciária. De janeiro a setembro, foram criados 2,1 milhões de postos formais de trabalho, pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Fernanda acredita que o efeito sobre sobre a contribuição da Previdência deve demorar um pouco mais, pois o mercado de trabalho costuma ser afetado pela desaceleração da atividade com mais defasagem.

Margarida observa que o Imposto de Importação (II) também não vai crescer na magnitude registrada neste ano. Com o crescimento robusto da economia e o dólar barato, a arrecadação do II e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) vinculado à importação teve aumento real de 27,09% de janeiro a setembro deste ano, para R$ 19,4 bilhões. Em 2009, essa receita vai avançar a uma velocidade menor, num cenário de câmbio mais desvalorizado e expansão mais fraca do PIB.

Todo esse cenário indica que o projeto de lei orçamentária enviada pelo governo ao Congresso, com base numa previsão de crescimento de 4,5% em 2009, se tornou irrealista – o próprio ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, diz que a expectativa oficial é de uma expansão de 3,8% a 4%. Para que consiga cumprir a meta de superávit primário (o resultado das contas públicas excluindo gastos com juros) de 3,8% do PIB, serão indispensáveis ajustes razoáveis na proposta, diz Margarida.

Para ela, um crescimento do PIB de 3,8% em 2009 parece hoje muito otimista, embora não possa ser descartado. Margarida vê algum espaço para contenção de gastos no adiamento de alguns aumentos para o funcionalismo, nas despesas de custeio e no investimento que não se refere às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

No projeto de lei orçamentária, o governo projeta, para 2009, um aumento nominal de 13% das receitas totais da União, estimando expansão de 16,5% para gastos com pessoal e encargos sociais e de 14,6% para benefícios previdenciários e assistenciais. Ela acha que é possível cumprir a meta sem grandes problemas mesmo se o crescimento do PIB ficar em algo como 3%, mas considera que a situação pode ficar mais difícil se a economia crescer apenas 2%. Nesse caso, o governo tenderia a admitir um esforço fiscal um pouco mais modesto, abaixo dos 3,8% do PIB. "Mas esse não é o meu cenário básico. Acredito que o governo fará o possível para cumprir a meta."

Fernanda, que espera um crescimento da economia de exatos 2% em 2009, projeta um superávit primário de 3,4% do PIB no ano que vem, bem abaixo dos 4,4% do PIB previstos para este ano – a meta para 2008 é de 4,3% do PIB. "Eu não descarto um superávit de 3,8% do PIB em 2009, mas isso vai exigir uma revisão rigorosa dos parâmetros do orçamento do ano que vem."

A economista estima que a arrecadação administrada pela Receita vai crescer de 1,5% a 2% acima da inflação em 2009, bem abaixo dos 8,5% a 9% esperados para 2008. O aumento de 12% para o salário mínimo, que corrige dois terços dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), engessa os gastos com a Previdência, enquanto os reajustes já concedidos ao funcionalismo dificultam a contenção das despesas de pessoal. De qualquer modo, ela também acredita que o governo poderá tentar segurar alguns dos aumentos para os servidores.

Silveira acredita que o esforço primário de 3,8% do PIB será atingido, apesar da queda do ritmo de crescimento da arrecadação. Embora seja difícil de mensurar, ele diz que a eficiência da máquina arrecadatória não pode ser desprezada, o que significa que a Receita pode encontrar caminhos para obter arrecadação extraordinária.

Mesmo se o superávit primário ficar um pouco abaixo da meta em 2009, não deverão surgir preocupações quanto à solvência do setor público, dizem Margarida e Fernanda. A situação fiscal é hoje bem mais sólida do que no fim dos anos 90 e no começo dos anos 2000, quando a relação dívida/PIB era ascendente e fortemente afetada por movimentos bruscos do câmbio. Hoje, a alta do dólar derruba a dívida como proporção do PIB, uma vez que o Brasil é credor líquido em moeda estrangeira. Graças principalmente a alta do dólar, a relação dívida/PIB caiu de 40,4% em agosto para 38,3% em setembro.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Sergio Lamucci, São Paulo.