Governo admite superávit menor

A política fiscal anticíclica que o governo decidiu adotar para enfrentar a crise e garantir que a economia brasileira se mantenha em marcha forçada permite que o superávit primário das contas públicas caia até mesmo abaixo de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) se necessário. "A meta do ano que vem é de 3,8% do PIB, mas tanto pode ir para 4,3% do PIB, se a economia e a receita permitirem isso, quanto pode ir para 3,3% se necessário para manter os investimentos do PAC", disse ontem o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa.

Nos últimos dias, a cúpula do governo deu declarações contraditórias sobre a política fiscal. Para tentar manter uma imagem de austeridade, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem declarado que a meta do governo é fazer uma economia de 4,3% do PIB, incluindo 0,5% do Fundo Soberano, que será criado por um projeto de lei. Já o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, diz que a meta é de 3,8%, sem contar o Fundo Soberano.

Na prática, entretanto, o orçamento de 2009 embute uma previsão efetiva de superávit que não é nem de 4,3% do PIB, nem 3,8%, mas de apenas 3,3% do PIB. Isso porque a maior parte dos investimentos do PAC é excluída da soma oficial de despesas programadas no projeto orçamentário. Ou seja, na ponta do lápis, fazendo a diferença entre receitas e despesas, o superávit que efetivamente existe é de 3,3% do PIB.

Essa forma alternativa de contabilização não é novidade. Ela foi adotada nos últimos quatro anos, mas abandonada ao longo da execução orçamentária porque o governo sempre obteve uma receita acima do esperado. Com essa folga de arrecadação, o governo conseguiu cumprir a meta de superávit sem precisar usar a margem de desconto dos investimentos.

Em 2009, entretanto, a situação pode ser diferente, e por isso o superávit talvez seja menor. Nos países europeus, é normal que isso ocorra – que o superávit seja maior nos anos de maior crescimento e menor nos anos de baixo desempenho da economia. E isso nada tem a ver com maior ou menor esforço fiscal, muito pelo contrário: com o mesmo esforço fiscal, ou o mesmo nível de gasto, obtém-se diferentes superávits em cada ano. O importante é que, ao longo de vários anos, a média de superávit não fique abaixo da meta.

No Brasil, entretanto, em que esse assunto ainda é tabu, o governo recorre a manobras contábeis para tentar fazer essa política anticíclica. No final do ano passado, por exemplo, o governo antecipou gastos com a folga de receita que tinha em 2007, pois antevia dificuldades em 2008 sem as receitas da CPMF. Este ano, novamente, é possível que se use a folga verificada na receita para antecipar gastos que normalmente só ocorreriam em 2009. Com isso, reduz-se o superávit primário de 2008 (que está acima da meta) em vez de fazer isso explicitamente em 2009.

Veículo: Jornal O Estado de São Paulo.
Editoria: Economia & Negócios.
Jornalista: Sergio Gobetti, de Brasília.