Emenda tira verba de Estados e dificulta votação de reforma

Uma emenda da deputada Ana Arraes (PSB-BA) à proposta de reforma tributária, aprovada na madrugada de ontem, reduzirá a receita dos Estados e pode tornar ainda mais difícil a votação da proposta de reforma tributária no plenário da Câmara. A emenda isenta do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) os produtos da cesta básica.

O próprio relator da proposta de reforma, deputado Sandro Mabel (PR-GO), argumentou contra a proposta, que foi aprovada na comissão especial da Câmara destinada a analisar o assunto. O relator não soube dimensionar o impacto dessa medida na receita dos Estados.

Se a nova sistemática do ICMS prevista na reforma for aprovada pelo Congresso, as receitas do ICMS serão apropriadas pelo Estado onde a mercadoria é consumida. Desta forma, a maior perda com a isenção da cesta básica será do Estado importador dos produtos. Mas os Estados produtores também perderão 2% referente à alíquota interestadual.

Na justificativa de sua emenda, Ana Arraes disse que o objetivo da medida é proteger o consumidor de baixa renda, pois "a carga tributária brasileira é extremamente elevada e injusta". Os partidos de esquerda argumentam que o pobre paga, proporcionalmente, mais impostos do que os ricos no Brasil.

A cesta básica apurada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é composta por 13 produtos: carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão, café, banana, açúcar, óleo e manteiga. A emenda da deputada do PSB prevê que os produtos a serem isentos do ICMS serão definidos em lei federal, ou seja, sem influência direta dos governadores.

Mas ontem surgiu uma interpretação nas assessorias técnicas dos partidos e no próprio governo de que a emenda aprovada, da forma como está redigida, poderá entrar em vigor assim que a reforma for aprovada pelo Congresso. Ou seja, a isenção já poderá valer para a atual sistemática do ICMS, pois para ela não está previsto nenhum prazo de transição.

Outra mudança feita no texto do relator Mabel, na madrugada de ontem, foi a derrubada do dispositivo que permitia a criação de contribuições por meio de lei complementar. Os deputados da oposição entendiam que se esse dispositivo fosse mantido, o governo poderia criar uma nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Por iniciativa própria, o relator já tinha excluído do texto a possibilidade de criar uma contribuição sobre grandes fortunas por meio de lei ordinária.

O presidente da comissão especial, deputado Antonio Palocci (PT-SP), informou ontem que o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), pretende convidar os governadores para conversar com os líderes partidários sobre o substitutivo da reforma aprovado. Pelo menos 16 governadores manifestaram contrariedade com o texto de Mabel e pediram que sua votação fosse adiada. O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), disse ontem que o objetivo agora é manter negociações nos próximos sete ou dez dias e depois votar a proposta no plenário. "A reforma é muito boa para a economia brasileira", afirmou.

O substitutivo de Mabel prevê a criação do Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F), que substituirá a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e o salário educação. O Imposto de Renda vai incorporar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. O ICMS terá alíquotas uniformes em todo o território nacional e suas regras serão definidas em legislação federal.

Principais pontos da proposta

Criação do Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F) que substituirá a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e o Salário Educação, que incide sobre a folha de pagamentos.

A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) será incorporada ao Imposto de Renda.

O bolo a ser distribuído entre a União, os Estados e os municípios será composto pelas receitas do IVA federal, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda acrescido pela CSLL.

Hoje, a partilha inclui apenas o IR e o IPI, sem a CSLL. Essa mudança não resultará em mais receita para os Estados e municípios, pois eles terão um porcentual do bolo que corresponderá exatamente ao que recebem atualmente.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual, passará a ter alíquotas uniformes em todo o território nacional. A legislação do ICMS será federal, ou seja, os Estados não poderão mais legislar sobre ele.

A receita do ICMS ficará com o Estado onde a mercadoria for consumida. Hoje, o Estado produtor é que fica com a maior parte da receita. Com essa medida, o governo espera acabar com a guerra fiscal. Com essa regra, os Estados mais industrializados e exportadores perderão receitas, enquanto que os importadores ganharão.

A alíquota do ICMS interestadual cairá para 2%. Hoje, ela é de 7% quando a mercadoria é vendida pelo Sul e Sudeste e de 12% quando a mercadoria é vendida pelo Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Depois da reforma, nenhum Estado poderá conceder incentivos fiscais para atrair empresas para o seu território.

Os incentivos já concedidos foram todos validados.

Haverá um Fundo de Equalização de Receitas (FER) para ressarcir os Estados por eventuais perdas por conta da reforma. A maioria dos governadores argumenta que as receitas deste fundo já são de propriedade dos Estados, como os recursos da Lei Kandir. Os governadores dizem também que a receita do fundo é insuficiente para cobrir as perdas.

Será criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) para compensar os Estados pelo fim da guerra fiscal. O governo aceitou elevar os recursos deste fundo para R$ 3,5 bilhões. A maioria dos governadores entende que esses recursos são insuficientes e querem, pelo menos, R$ 8 bilhões.

Os investimentos produtivos serão isentos do IVA federal e do ICMS.

A reforma prevê a redução de um ponto porcentual por ano, durante seis anos, da alíquota da contribuição patronal ao INSS. Ela passará de 20% para 14%.

Todos os insumos utilizados pelos empresários na produção das mercadorias e serviços poderão ser deduzidos como despesas, antes da aplicação do IVA federal e do ICMS. Esta regra permite que os materiais de escritório, por exemplo, também sejam descontados.

Os governadores alegam que haverá uma perda substancial de receita por causa dessa medida.

A existência da Zona Franca de Manaus, com os seus incentivos fiscais, foi prorrogada por mais 20 anos, de 2013 para 2033.

Os produtos que integram a cesta básica não pagarão ICMS. Até mesmo o relator da reforma, deputado Sandro Mabel (PR-GO), foi contra essa proposta por causa da perda de receita para os Estados, mas ela terminou aprovada.

As alíquotas do IVA federal poderão ser elevadas para as empresas que sejam poluidoras. Da mesma forma, a empresa que proteger o meio ambiente poderá ter suas alíquotas reduzidas.

A alíquota dos royalties pagos pela extração de minérios foi elevada de 2% para 3% e passou a incidir sobre o faturamento bruto. Hoje é sobre o faturamento líquido.

Veículo: Jornal O Estado de São Paulo.
Editoria: 1º Caderno – Nacional.
Página: A6.
Jornalista: Ribamar Oliveria, de Brasília.