Muito além do gabinete

Segunda-feira, 17 de novembro. O retorno das férias de três semanas, depois de exaustiva eleição municipal, tinha alvo certo: definir o novo secretariado para 2009. A chuva não dava trégua. Moradores do Morro Coripós e da Rua Pedro Krauss Sênior eram orientados a sair das encostas. A discussão da divisão de secretarias com os partidos da coligação foi trocada pelo sobe e desce nos morros e uma viagem a Brasília. João Paulo Kleinübing, prefeito reeleito de Blumenau, tentava com a Defesa Civil Nacional recursos para prevenir novos deslizamentos. No fim da semana, a chuva ficou mais forte. O contato seguinte com o órgão federal seria um pedido de socorro.

– De sexta para sábado não consegui dormir. Fiquei a noite toda com o celular ligado. De manhã nos reunimos (Defesa Civil e Corpo de Bombeiros). Sábado à noite começamos a organizar os abrigos previstos no Plano de Enchente.

Como a ameaça também vinha dos morros, o número de desabrigados não parava de aumentar. Novos abrigos precisaram ser abertos. Kleinübing montou domingo o Gabinete de Crise. Instalados na prefeitura, secretários, militares, comando do Corpo de Bombeiros, Exército e Defesa Civil recebiam pedidos, decidiam e disparavam ordens de resgate e salvamento.

– Quando o rio atingiu o pico máximo (11,52 metros, à meia-noite de domingo) e a perspectiva era de a chuva aumentar, nos perguntávamos onde isso tudo iria parar. Essa noite foi a mais difícil de todas – conta.

As águas de 48 horas ininterruptas de chuva fizeram o Rio Itajaí-Açú transbordar e arrastaram morros e tudo o que estava à frente. Milhares de pessoas perderam carros e móveis. Centenas perderam as casas. Barreiras caíram deixando bairros inteiros ilhados e a cidade sem água encanada e energia elétrica. Vinte e quatro pessoas perderam a vida, a maioria soterrada.

– Cada vez que o telefone tocava, era uma tragédia.

Nos primeiros três dias, quem chegava à prefeitura para ajudar na operação não voltava mais para casa. As decisões a serem tomadas exigiam dedicação integral dos membros do Gabinete de Crise. Para Kleinübing, a falta de comunicação com a família era uma preocupação a mais:

– Saí de casa sábado e só consegui voltar segunda. Minha esposa e filhas ficaram ilhadas no apartamento, sem luz e telefone.

Segunda-feira a chuva deu trégua e o nível do rio começou a baixar. Helicópteros do Exército chegaram para ajudar. Foi quando o prefeito traçou novas metas, além dos salvamentos: abrir acessos interrompidos e restabelecer o abastecimento de água e luz. Sempre que dava, Kleinübing ia às ruas acompanhar as operações:

– Foi difícil ver que no Progresso até o cemitério tinha caído. Foram momentos de conversar com as pessoas, ver a grandiosidade da tarefa que eu tinha pela frente.

Foi nessas andanças que o prefeito passou por um "grande susto", como ele define. No primeiro dia da tragédia, sábado à tarde, ele e o motorista subiam de carro a Rua Araranguá, quando veio uma enxurrada. Ao tentarem retornar, o carro morreu e começou a boiar na água acumulada na rua. Perceberam que ela invadia o carro. Sem pensar duas vezes, saíram pelas janelas.

– Quando pulamos para fora, a água batia na minha cintura – conta.

Buscaram abrigo no pátio de uma escola, em um terreno alto. De lá, viram o carro afundar e ser arrastado pela água. O veículo teve perda total.

Veículo: Jornal de Santa Catarina.
Edição: 11492.
Editoria: Geral.