Sem casa, com dinheiro na gaveta

O governo tem R$ 8 bilhões para gastar em obras de saneamento, urbanização de favelas e construção de moradias, mas há um conjunto de entraves que dificultam a sua aplicação.

Um dos principais problemas é a falta de projetos, que precisam ser apresentados pelas prefeituras e aprovados pelo governo federal para a liberação dos recursos.

O dinheiro está previsto no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo fará um mutirão com os prefeitos para tentar gastar os R$ 8 bilhões nos dois últimos anos do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os municípios de pequeno porte, alvos preferenciais na estratégia do governo e que têm as maiores carências nessas áreas, enfrentam dificuldades para elaborar e executar os projetos dentro das normas exigidas pelos programas federais.

O esforço do governo é para reduzir o déficit habitacional do país, que está em 7,2 milhões de moradias, e melhorar as condições de saneamento.

Hoje, segundo dados do IBGE, cerca de 49% dos domicílios ainda não contam com rede de esgoto e quase 20% das moradias ainda não têm abastecimento regular de água.

Estímulo à formação de consórcios

No encontro com os novos prefeitos, convocado pelo governo e que acontecerá nos dias 10 e 11 de fevereiro, eles vão receber orientações de como se organizar para disputar os recursos federais. Uma das recomendações é a formação de consórcios para a contratação de equipes técnicas encarregadas de elaborar os projetos.

Desses R$ 8 bilhões, R$ 2 bilhões são do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), R$ 4 bilhões são para saneamento e R$ 2 bilhões são da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O dinheiro do FNHIS pode ser usado na urbanização de favelas e na construção de moradias. Os R$ 2 bilhões devem ser investidos entre 2009 e 2010. Os recursos de saneamento são para este ano.

No caso dos programas da Funasa, já há municípios pré-selecionados, mas os projetos não foram apresentados pelas prefeituras. Os recursos se destinam a municípios com até 20 mil habitantes e são para programas específicos. Eles podem ser aplicados em obras de drenagem em regiões de malária, melhoria sanitária domiciliar, reforma habitacional em áreas de doença de Chagas, tratamento de esgoto e microssistema.

"É preciso melhorar o planejamento"

O governo está preparando uma ampla programação para os dois dias de encontro, que incluem painéis, mesas setoriais e oficinas – todos com a participação de ministros e presidentes de instituições federais – para mostrar os programas à disposição dos municípios e orientar os prefeitos. Segundo o subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, serão discutidos os principais gargalos na relação entre o governo federal e as prefeituras.

– Vamos discutir o que atravanca os investimentos nos municípios – disse Padilha, acrescentando que, no caso do PAC, os prefeitos serão orientados sobre o passoa-passo do programa, incluindo a criação de conselho gestor, a elaboração de projetos e o licenciamento ambiental.

– Há problemas estruturais que precisam ser resolvidos, e nosso embate é neste sentido. Tem que ter obra, mas é preciso melhorar e retomar o planejamento dos municípios – afirma a secretária de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães.

O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, apoia a iniciativa do governo e reconhece a dificuldade das prefeituras na elaboração dos projetos. Segundo Ziulkoski, muitas prefeituras não têm estrutura para fazer os projetos nem disponibilidade financeira para contratar técnicos que desempenhem essa tarefa.

– Estamos lamentando que o presidente esteja disponibilizando o dinheiro e nós não estejamos conseguindo fazer chegar lá na ponta – afirmou Ziulkoski.

Além dos debates, o governo vai distribuir cartilhas sobre os programas federais. Ziulkoski destacou que, dos 5.563 prefeitos, 2.245 são reeleitos e já sabem como funcionam os programas federais. Para os demais, a orientação será uma novidade.

– Agora, uma coisa é mostrar como se faz. Outra, é implementar.

Muitas vezes, os prefeitos não entram com os projetos porque não podem. Não é porque não querem. Os municípios têm um orçamento justo, e a União entra com o dinheiro da obra e só .

Quem tem de arcar com as condições do funcionário, a fiscalização e o licenciamento é o município – argumentou.

Prioridade para qualificação

O Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal já vêm trabalhando em projetos para melhorar o acesso das prefeituras aos programas de habitação, mas há ainda um longo caminho a percorrer, reconhece a secretária de Habitação. Em 2008, foram destinados R$ 50 milhões para um programa de assistência técnica com o objetivo de qualificar as equipes dos municípios encarregadas da elaboração dos projetos.

– A capacidade de resposta é mais rápida se a prefeitura estiver preparada para executar o programa.
Para isso, é preciso que tenha planejamento e um plano de habitação. É preciso criar essa institucionalidade para implementar as políticas de saneamento e habitação – destaca Inês Magalhães.

A secretária lembra que poucas prefeituras têm um departamento de habitação, e o acesso aos recursos federais do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) está condicionado à criação de uma estrutura que permita a captação de recursos e execução dos projetos. As prefeituras tinham até dezembro de 2008 para criar um fundo de habitação e os respectivos conselhos, mas, como muitas não conseguiram cumprir esse prazo, o governo estuda prorrogá-lo.

Veículo: Jornal O Globo.
Editoria: País.