Já não bastasse a quebra de arrecadação prevista para este ano, como consequência da desaceleração da atividade econômica, as prefeituras terão de fazer mágicas orçamentárias se quiserem cumprir a intempestiva lei federal que estabeleceu o piso salarial de R$ 950 para o professorado brasileiro. O novo mínimo será implantado em duas etapas, com o pagamento de 2/3 do valor fixado a partir de 1º de janeiro e o acréscimo do terço restante em 2010. Projeções elaboradas pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com base em um levantamento da média salarial do magistério em 398 cidades onde o piso é inferior ao montante determinado pela Lei 11.738, aprovada no ano passado, estimam em R$ 2,4 bilhões o desembolso adicional das prefeituras no presente exercício.
O gasto poderá ser ainda maior se o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento de mérito da ação impetrada por governadores de cinco Estados contra a regra imposta ex-abrupto pela União, mudar o entendimento que prevaleceu no exame da liminar, em dezembro último. Nessa primeira apreciação, o STF entendeu que as vantagens e gratificações auferidas pela categoria devem ser computadas no mínimo profissional. Fosse outra a decisão, em certos casos o salário-base poderia até dobrar. "Foi uma conquista para os municípios", avalia o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, citado pelo jornal Valor. "Mas é uma decisão temporária." O desassossego entre os prefeitos é grande. Eles podem se ver na contingência de pagar as diferenças retroativamente. O STF não marcou prazo para o julgamento definitivo.
A instituição do piso nacional foi saudada pelos membros da Corte como um passo decisivo para a elevação da qualidade do ensino público no País, que passa pela valorização do professor. "Se há uma reforma de primeiríssima prioridade a fazer, é no campo da educação", comentou o ministro Carlos Ayres Brito. "E o ponto de partida só pode ser o piso." Isso não está em discussão. A mesma premissa já havia inspirado o governo Fernando Henrique ao criar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). O que de forma alguma justifica mais essa esperteza do governo Lula de fazer mesuras com o chapéu alheio: o Planalto monopoliza o crédito pela iniciativa meritória e transfere às instâncias subnacionais os respectivos encargos.
Não só isso, como ainda – acentuando a perversão do princípio da solidariedade federativa – impõe as novas obrigações a toque de caixa, sem dar às administrações locais um prazo decente para se adaptar ao novo esquema de gastos. Os prejudicados que se arranjem – deu de ombros o presidente, para todos os efeitos práticos. Os resultados são previsíveis: profunda perturbação das contas públicas municipais, desarticulando a sua estrutura financeira e afetando todas as outras políticas setoriais. Sem falar na forte possibilidade de atropelo da Lei de Responsabilidade Fiscal, em razão do repentino e compulsório aumento das despesas de pessoal das prefeituras – muitas das quais mal-e-mal conseguem se manter dentro dos parâmetros da normalidade fiscal.
O único consolo dos prefeitos foi o Supremo ter considerado inconstitucional, pelo menos naquela primeira decisão, o outro fardo concebido pelo governo federal sem a menor preocupação com as consequências da medida para as autoridades pagantes: a elevação de 1/5 para 1/3 da parcela da carga horária do magistério passível de ser cumprida nas chamadas atividades extraclasse. Se isso passasse, as secretarias de Educação teriam de contratar novos professores – o equivalente a até 20% do pessoal na ativa – para compensar a diminuição do tempo passado pelo corpo docente nas salas de aula. O dispêndio extra incharia em cerca de R$ 2,1 bilhões a folha de pagamento das prefeituras, conforme os cálculos da CNM. É improvável, mas não impossível, que o STF volte atrás. "Isso fez os prefeitos começarem o ano tremendo nas bases", observa o dirigente da CNM, Paulo Ziulkoski. "Além dos gastos maiores, a incerteza quanto ao futuro." Para o presidente Lula, só interessa ser visto como benfeitor do professorado.
Veículo: Jornal O Estado de São Paulo.
Editoria: Opinião.