A política fiscal vai ter um impacto razoável sobre a atividade econômica neste ano. Com a expectativa de menor crescimento das receitas e de avanço mais forte das despesas correntes e dos gastos com investimentos, o superávit primário deverá cair significativamente em relação ao de 2008. Para alguns analistas, esse estímulo fiscal poderá ajudar o crescimento a superar 2% em 2009 – hoje, o consenso de mercado aponta para uma expansão de 1,7%, e há quem projete variação negativa.
Boa parte dos economistas estima um superávit primário (receitas menos despesas, excluindo gastos com juros) de 3% a 3,5% do PIB neste ano, bem abaixo dos 4,07% do PIB obtidos no ano passado pelo setor público (União, Estados, municípios e estatais). O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, lembra, contudo, que o superávit "oficial" ficou nesse nível por causa do aporte de R$ 14,2 bilhões para o Fundo Soberano, um mecanismo contábil usado pelo governo para transferir recursos fiscais de um ano para o outro.
"Foi um gasto apenas contábil, sem efeito econômico", diz Montero, observando que, sem isso, o esforço fiscal em 2008 foi de 4,56% do PIB. Segundo ele, do ponto de vista do impacto sobre a economia, a comparação do superávit primário deste ano deve ser feita com esses 4,56% do PIB – ou seja, a queda do esforço fiscal será maior do que parece à primeira vista.
Montero projeta um superávit primário de 3,3% do PIB neste ano, considerando possível um número de 3% ou até menos. De um lado, a expansão das receitas vai perder fôlego, por causa do menor crescimento. De outro, a União já se comprometeu com despesas correntes mais altas, devido aos aumentos já contratados para o funcionalismo e ao reajuste do salário mínimo, que corrige dois terços dos benefícios da Previdência. Além disso, a promessa do governo é intensificar o ritmo de execução dos investimentos.
"Uma queda do superávit primário dessa magnitude será um estímulo importante para a atividade econômica", ressalta ele, destacado que "a redução do esforço fiscal pode ficar próxima a 2 pontos percentuais do PIB, o que é mais do que muitos analistas projetam de crescimento para a economia neste ano". Montero aposta numa expansão de 2,2% para o PIB em 2009, em parte por acreditar que a política fiscal terá um efeito expansionista sobre a atividade.
O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, também acha que o recuo do superávit primário levará a um crescimento mais forte do que estima a maior parte do mercado. Ele projeta avanço do PIB de 2,6%, talvez a estimativa mais otimista entre bancos e consultorias. Para Borges, a esperada queda do superávit para 3,3% do PIB pode agregar até 0,6 ponto percentual para a expansão da economia neste ano. "O governo tem espaço para promover uma política fiscal anticíclica." Um ponto fundamental é que a solvência do setor público não está em questão, pois a relação entre a dívida líquida e o PIB está sob controle. Fechou 2008 em 36%, devendo cair neste ano para 35,2%, segundo a projeção da LCA, mesmo com o recuo expressivo do superávit primário. Uma grande vantagem é que isso ocorre simultaneamente à redução da taxa Selic, destaca ele.
Embora veja espaço para aumentos de gastos neste ano, Borges ressalta a importância de haver coordenação entre a política fiscal e a política monetária. À medida que os cortes de juros produzirem efeito sobre a atividade, o ideal é que o governo volte a apertar gradualmente a política fiscal, diz ele.
"Além disso, o aumento de gastos deve se concentrar em investimentos em infraestrutura, que aumentam o crescimento potencial do país e não geram obrigações de longo prazo", afirma. No ano passado, a União investiu R$ 28,268 bilhões, ou 0,97% do PIB. Borges avalia ser possível elevar esse número em até R$ 15 bilhões, o que significa uma alta de 53% sobre 2008.
Já Montero tem dúvidas quanto à capacidade do governo de elevar os investimentos nessa magnitude. A elevação já contratada dos gastos com pessoal e aposentadorias limita o espaço fiscal, avalia ele. Mesmo que os gastos com investimentos cresçam mais de 50%, continua Montero, eles continuarão a ser uma parcela ainda pequena das despesas da União.
No ano passado, as inversões responderam por apenas 5,6% dos R$ 497,926 bilhões dos gastos não financeiros. Para ele, ainda que contribua para um crescimento mais forte neste ano, o expansionismo fiscal terá o efeito negativo de reduzir o espaço para a queda dos juros. O problema é que o governo vai promover elevações permanentes de gastos rígidos, como as despesas com pessoal e aposentadorias, diz Montero.
O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria , estima que o superávit primário deve ficar em 3,5% do PIB neste ano. Ele também insiste que o governo deve se concentrar em aumentar os investimentos, segurando gastos correntes. Salto acredita, porém, que o governo ficará no meio termo: elevará as inversões, mas sem promover um controle firme das despesas com pessoal, aposentadorias e o custeio da máquina.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Sergio Lamucci, de São Paulo.