O governo esperava que a arrecadação de tributos federais só começasse a cair, em função da crise, no segundo trimestre deste ano. As más notícias, no entanto, chegaram bem mais cedo. As receitas administradas pela Receita Federal do Brasil caem há três meses consecutivos. Em janeiro, recuaram, em termos reais (já descontada a inflação), 6,49% na comparação com o mesmo mês do ano passado.
Trata-se de uma queda nada desprezível. É como se R$ 4 bilhões tivessem desaparecido repentinamente do caixa do Tesouro Nacional, dinheiro suficiente para bancar 30% dos gastos do Bolsa Família em 2009, programa que atende a 11,5 milhões de famílias. Considerando-se apenas as receitas tributárias, ou seja, excluída a arrecadação previdenciária, janeiro passado foi o pior janeiro da arrecadação federal em dez anos.
O que derrubou a receita oficial neste início de ano foi, principalmente, o forte recuo da atividade econômica, fato que não deverá mudar muito ao longo do ano, uma vez que a economia brasileira vem sofrendo brutal desaceleração desde outubro de 2008. No mercado, a expectativa média captada pelo Banco Central prevê crescimento de apenas 1,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2009 – no terceiro trimestre de 2008, o PIB estava se expandindo a 6,8% ao ano.
A expectativa do mercado está a quilômetros de distância da previsão de PIB feita pelo governo na confecção da peça orçamentária – de um crescimento de 4%. A diferença entre previsão e realidade, caso se confirme, provocará estragos na arrecadação pública, inclusive, de Estados e municípios, até o fim do ano. Há, inclusive, quem projete crescimento zero para a economia em 2009, como os analistas do banco Morgan Stanley.
Economistas do Credit Suisse Hedging-Griffo, o braço de administração de recursos do banco suíço, estimam, por exemplo, que a economia brasileira crescerá apenas 0,7% neste ano. Isto fará com que a arrecadação de impostos e contribuições se expanda apenas 0,3% em termos nominais (do ponto de vista real, portanto, haveria perda de receita entre um ano e outro). Estes números contemplam as desonerações de impostos, no valor de R$ 18 bilhões, já anunciadas pelo governo para estimular a atividade econômica. Se houver novas desonerações, a queda de receita será maior.
Mesmo que o pior em termos de PIB e, consequentemente, de arrecadação não aconteça, o país está diante de uma mudança relevante nas condições fiscais do Estado brasileiro. Do lado das despesas, o quadro também não é animador. Antes da crise, em meio à euforia que tomou conta de Brasília, o governo se comprometeu com aumentos de gastos, principalmente com salários e benefícios previdenciários, que, agora, poderão custar caro ao país.
As despesas com o funcionalismo público federal chegaram a R$ 131,5 bilhões em 2008, 12,5% acima do resultado do ano anterior. Como o PIB se acelerou nos últimos dois anos, em termos relativos, lembra o economista Luiz Guilherme Schymura, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o gasto com pessoal em 2008 foi menor do que em 2002, um ano antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumir o poder – 4,59% face 4,86% do PIB. Ocorre que, por causa dos variados reajustes concedidos pelas medidas provisórias 440 e 441, a conta poderá chegar a 5% do PIB em 2009, justamente o ano da crise.
Fernanda Batolla, Daniel Leichsenring e Raone Costa, do Credit Suisse Hedging-Griffo, calculam que o reajuste do salário mínimo para R$ 465, em vigor desde 1º de fevereiro, elevará os gastos da previdência social e do seguro-desemprego de 7,5% para 8% do PIB neste ano. Certamente, num momento de crise como o atual, é bem mais justificável aumentar os benefícios sociais do que os salários dos servidores, mas o fato é que, somados, os dois movimentos podem resultar no acréscimo de um ponto percentual na despesa pública em 2009.
A nova realidade leva os analistas a acreditarem que, pela primeira vez, em 11 anos de ajuste fiscal, o setor público poderá não cumprir a meta de superávit primário, fixada em 3,8% para este ano. Schymura, na Carta do Ibre a ser divulgada depois de amanhã, acha que o mais provável é o superávit ficar entre 2,5% e 3,5% do PIB, "abaixo da meta do governo, mesmo se considerada a melhor das hipóteses". A turma da Hedging-Griffo, mesmo ressalvando que a situação, apesar da deterioração prevista, estará "razoavelmente controlada", aposta na redução do superávit para 2,8% do PIB. O pessoal do Morgan Stanley, mais pessimista, prevê, como mostra a tabela, um forte aumento no déficit público nominal, de 1,5% do PIB em 2008 para 4% do PIB neste ano.
No curto prazo, a pior consequência da degeneração das contas públicas é o governo não ter condições efetivas de promover uma política fiscal anticíclica para ajudar a economia a caminhar neste momento de crise internacional. Vai ficar mais difícil, daqui em diante, promover desonerações tributárias. No longo prazo, a deterioração pode produzir desequilíbrios nas contas públicas que, em última instância, diminuirão a capacidade de crescimento da economia.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Cristiano Romero (cristiano.romero@valor.com.br).