Pela primeira vez, em mais de uma uma década, há disputa pela presidência da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), dona da maior estrutura administrativa e da maior visibilidade política entre as três entidades nacionais de representação municipal. Uma nova chapa única não está descartada. Mesmo que haja composição, no entanto, é grande a pressão para que Paulo Roberto Ziulkoski (PMDB-RS), que está há quatro mandatos no poder, deixe o comando da entidade, da qual se tornou sinônimo.
Reconhecido como responsável pela projeção alcançada pela confederação, ele preside a CNM desde maio de 1997 e, na visão de pessoas próximas, estaria disposto a continuar. Mas três dirigentes municipalistas de expressão regional se articulam para sucedê-lo. As eleições para o próximo mandato, também de três anos, precisam ocorrer até maio. A data correta e as regras serão definidas dia 10 de março, em assembleia das federações e associações filiadas, em Brasília. Até lá, negociações em andamento ainda podem mudar o quadro. Mas, por enquanto, os três possíveis sucessores na disputa são Guerino Balestrassi (sem partido, ex-PSB), ex-prefeito de Colatina (ES); João Rodrigues (DEM), atual prefeito de Chapecó (SC); e Celso Cota Neto (PMDB), ex-prefeito de Mariana (MG).
O Valor conversou com os três candidatos. Cota foi o único que não se assumiu como pré-candidato, embora não tenha negado que possa vir a ser. De formas e intensidades diferentes, na essência, os três fizeram as mesmas críticas a Ziulkoski – não antes de reconhecer que foi ele que transformou a antes desconhecida CNM na mais proeminente porta-voz do municipalismo brasileiro. Na opinião dos possíveis sucessores, Ziulkoski é centralizador demais, por não dividir com outros dirigentes da entidade a condução de negociações com o governo e com o Congresso, em torno de temas que interessam aos municípios.
"Ele não abre espaço para que os outros também se exponham e cresçam politicamente… Como representante para o Sudeste, também sou da direção da CNM. Mas me sinto excluído", queixa-se Gerino Balestrassi, presidente da Associação de Municípios do Espírito Santo (Amunes).
Balestrassi e os demais pré-candidatos acham ainda que falta diplomacia a Ziulkoski. Avaliam que, embora acerte no conteúdo, o atual presidente da CNM erra no tom de seus discursos, vistos como de enfrentamento e não de diálogo com as autoridades do governo.
A crítica ao tom de enfrentamento vem principal e surpreendentemente de um prefeito de um partido de oposição ao governo Lula. "Ele (Ziulkoski) está com uma postura muito radicalizada… O governo federal já o encara como um adversário, o que não é bom para a CNM", diz João Rodrigues (DEM), prefeito de Chapecó, lançado como pré-candidato pela Federação Catarinense de Municípios (Fecam).
"Não acho que sou radical. Digo o que precisa ser dito. O tom é contundente porque o conflito federativo é grave e a situação dos municípios, como a parte fraca da Federação, mais grave ainda", defende-se Ziulkoski.
De fato, é notória a contundência de seus discursos e entrevistas, quando defende causas municipalistas, tema sobre o qual demonstra incontestável domínio, inclusive técnico. Idealizador da marcha reivindicatória que todos os anos leva milhares de prefeitos a Brasília, "ele não tem mesmo papas na língua", reconhecem amigos.
No recente encontro do presidente Lula com prefeitos e prefeitas, em 10 de fevereiro, o tom de suas críticas teria causado constrangimento ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos presidentes do Senado, senador José Sarney (PMDB-AP), e da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP). Em discurso inflamado, ele criticou o fato de que os Poderes da União empurram cada vez mais atribuições às prefeituras sem ter, em contrapartida, coragem para criar as necessárias fontes de receita.
Celso Cota Neto, que preside a Associação Mineira de Municípios (AMM-MG), acha que, pela forma, o discurso de Ziulkoski foi uma indelicadeza desnecessária com Lula, principalmente porque o encontro foi iniciativa do governo federal. "A CNM era convidada… O momento adequado de protestar não era aquele e sim a marcha anual promovida pela confederação", disse Cota. Por causado do encontro convocado pelo governo federal, no entanto, a marcha de 2009, que deveria ser em abril, teve que ser adiada e ainda não tem data definida. O governo federal foi criticado, inclusive, de ter a intenção de esvaziar a marcha e a liderança de Ziulkoski.
Constrangedor ou não, o discurso de Ziulkoski mostrou a força de sua representatividade junto aos prefeitos das pequenas cidades, que são a maioria das 5.563 existentes no país e, mais uma vez, ele roubou a cena das demais autoridades presentes. Comparada ao entusiasmo causado por Ziulkoski, a reação da plateia foi tímida à fala dos presidentes da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), João Paulo Lima e Silva (PT), ex-prefeito de Recife (PE), e da Associação Brasileira de Municípios (ABM), José do Carmo Garcia (PTB), ex-prefeito de Cambé (PR).
Justamente por sua representatividade, Paulo Ziulkoski não pode ser considerado carta fora do baralho pelos pretendentes a seu cargo. Perguntado pelo Valor se vai concorrer de novo, ele desconversa, mas não fecha portas: "Não sou dono da CNM. Sempre estive aqui a serviço da entidade. Vou fazer o que a maioria dos prefeitos quiser".
Desde que assumiu a CNM pela primeira vez, em 1997, Paulo Ziulkoski só ficou afastado da confederação por poucos meses, no segundo semestre de 2000. Na ocasião, ele renunciou ao mandato na entidade para disputar a reeleição à Prefeitura de Mariana Pimentel (RS), cidade de 4 mil habitantes, a cerca de 50 km de Porto Alegre. Vencida a reeleição municipal, ele foi reconduzido à CNM, em 2001 e, de novo, em 2003. Já sem o mandato de prefeito, também foi candidato de consenso em 2006.
Agora, seus possíveis sucessores avaliam que, depois de anos de luta, as relações de Ziulkoski com o governo e o Congresso se desgastaram a ponto de atrapalhar a interlocução e gerar risco de perda da influência conquistada pela CNM.
Guerino Balestrassi acha que a principal origem do desgaste é justamente a personalidade centralizadora de Ziulkoski, que concentrou nele todo o ônus do debate. Celso Cota Neto também acredita que o ônus de disputas federativas enfrentadas pela CNM seria menor se tivesse sido pulverizado por uma efetiva divisão de poder e de interlocução com os demais dirigentes da entidade. Cota acha que Ziulkoski até pode ficar, se mudar de postura. Mas entende que uma mudança de comando facilitaria as relações com a União. "Não podemos ter um Chávez na CNM", disse ele, numa alusão ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Entre os possíveis sucessores de Ziulkoski, Guerino Balestrassi seria o que tem mais simpatia do governo federal e do PT. Nas eleições municipais de 2008, ele saiu do PSB para apoiar seu então vice, Leonardo Deptulski, do PT, contra um candidato do próprio PSB. Esse apoio, que resultou em vitória do PT em Colatina, agora gera suposições de que Balestrassi tem , no mínimo, a torcida dos petistas do governo federal para assumir a CNM.
O governo e o PT não podem, em tese, interferir na confederação. Mas é óbvio que seria conveniente ao PT ter um aliado no comando da entidade, capaz de promover grandes eventos públicos, supostamente insuspeitos, para expor sua virtual candidata à sucessão de Lula, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Política.
Jornalista: Môniza Izaguirre, de Brasília.