Meta de superávit pode cair para manter investimentos

O governo poderá anunciar formalmente, nas próximas semanas, uma redução da meta de superávit primário de 3,8% para até 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) numa tentativa de evitar um corte adicional nos gastos orçamentários. Não há decisão tomada, e a discussão na equipe econômica é tratada com sigilo, diante das inevitáveis repercussões no mercado financeiro e nas expectativas sobre a taxa de juros.

O prazo para que os ministérios da Fazenda e do Planejamento cheguem a um acordo sobre a discussão é o dia 20 de março, prazo estipulado na Lei de Diretrizes Orçamentárias para que o governo divulgue o relatório de avaliação de receitas e despesas para este ano. Os ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo estão com dificuldade para definir o limite para as despesas em decorrência das incertezas sobre a arrecadação de impostos. "Os sinais são contraditórios", admitiu um técnico ao se referir a fragilidade de previsão, no ambiente de queda na arrecadação, para o comportamento da receita ao longo de 2009.

A ala ortodoxa do governo resiste à ideia de reduzir o superávit primário, mas a Secretaria de Política Econômica (SPE) tem estudos preliminares indicando que – nas atuais circunstâncias de crise – a medida pode evitar uma desaceleração mais profunda da atividade econômica em 2009. Isso porque as últimas projeções de receita indicam que, para cumprir a meta de 3,8% do PIB, o governo precisaria fazer um corte nas despesas superior aos R$ 37 bilhões já bloqueados provisoriamente. Nesse caso, seria muito difícil preservar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A preocupação dos chamados "ortodoxos" é com a possibilidade de essa iniciativa do governo ser interpretada como um mau sinal pelo mercado, tendo dois efeitos: diminuir o espaço para redução da taxa básica de juros pelo BC no presente e elevar a expectativa sobre os juros no futuro, encarecendo a rolagem da dívida pública.

Em 2008, a crise já levou o mercado a exigir juros mais altos para rolar seus títulos, mas o Tesouro resistiu porque tinha gordura em caixa e pode postergar os leilões da dívida. Com a queda do superávit, entretanto, essa resistência fica menor.

Para os que defendem maior nível de gasto, entretanto, o temor em relação ao mercado não se justificaria, porque – na comparação com o resto do mundo – o Brasil apresenta uma situação fiscal melhor, tanto em termos de endividamento quanto de déficit. "Se os Estados Unidos terão um déficit de 10% do PIB em 2009, não há razão para o Brasil não registrar um déficit cinco vezes menor", diz uma fonte.

Além disso, os técnicos identificados com uma política "keynesiana" alegam que a política fiscal é a maneira mais eficiente de se estimular a atividade econômica em crise, já que a eficácia da política monetária está limitada pela tendência dos agentes financeiros de adotarem uma postura defensiva e não liberar o dinheiro para o mercado.Essa preferência por reter os recursos nos bancos, por exemplo, evita que a roda do crédito volte a girar com força, mesmo com juros reduzidos.

A principal dúvida que existe na equipe econômica, na verdade, é sobre a vantagem que o governo poderia extrair de um anúncio de uma meta de superávit menor. Além do risco de como a medida será interpretada no mercado financeiro, há a desconfiança de que os empresários podem não comprar a ideia de que mais gastos públicos significarão mais crescimento.

Em meio a essa discussão, existem ainda os que defendem uma redução informal do superávit primário, utilizando a margem do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) e do Fundo Soberano. Embora com meta de 3,80% do PIB, o governo pode descontar desse cálculo os gastos com os investimentos do PPI até o limite de 0,5% do PIB e cobrir outros gastos com o fundo soberano, que equivale a outros 0,5% do PIB. Na prática, o governo já pode fazer um superávit próximo de 2,8% do PIB.

O problema é que a receita pode cair tanto que até essa "folga fiscal" seria insuficiente para cobrir os investimentos que o governo não quer cortar.


NÚMEROS

2,8% do PIB
É para quanto o governo pode levar a meta de superávit primário, que hoje é de 3,8% do PIB.

R$ 37 bilhões
É o valor que o governo teria de cortar em suas despesas para manter a proposta de meta de superávit primário de 3,8% do PIB.

Veículo: Jornal O Estado de São Paulo.
Editoria: Economia & Negócios.
Jornalista: Fabio Graner.