O resultado fiscal de fevereiro reforça a expectativa de que o setor público não vai atingir a meta oficial de superávit primário, de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), já considerando aí o abatimento de 0,5% do PIB de despesas com obras prioritárias de infraestrutura, contidas no Projeto Piloto de Investimentos (PPI). Com a queda na arrecadação e o aumento expressivo de gastos, a maior parte dos analistas considera que um número mais próximo de 2,5% do PIB é mais realista. Mesmo esse menor esforço fiscal deve requerer novos cortes de despesas, assim como o uso de R$ 14,2 bilhões de recursos do Fundo Soberano do Brasil (FSB), o mecanismo usado para transferir parte do superávit primário de 2008 para 2009.
Um dos principais problemas da meta do governo é que ela pressupõe um crescimento irrealista da arrecadação, avalia o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria Integrada. Enquanto os números oficiais apontam para receitas totais do governo central (Tesouro, INSS e Banco Central) neste ano de R$ 756,9 bilhões, uma alta de 5,5% em relação a 2008, ele aposta numa arrecadação de R$ 690,2 bilhões, ou seja, uma queda de 3,8% sobre o ano passado. "As previsões do governo se baseiam num crescimento do PIB de 2%, o que é muito otimista", diz ele, que aposta numa expansão da economia de 0,3%. O recuo de 3,05% das receitas brutas da União no primeiro bimestre evidencia que a estimativa oficial é exagerada. Salto acredita que o superávit primário neste ano deverá ficar em 2,8% do PIB, considerando um abatimento de 0,5% do PIB do PPI, o que implica um saldo real de 2,3% do PIB.
Mesmo a obtenção desse número vai requerer medidas de ajuste. Para ele, é fundamental não conceder os aumentos ao funcionalismo no meio do ano, que totalizam cerca de R$ 21,4 bilhões, além de ser importante usar os R$ 14,2 bilhões do Fundo Soberano e cortar algo como R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões das despesas discricionárias (aquelas sobre as quais o governo tem mais controle).
O economista Maurício Molan, do Santander, considera mais factível um superávit primário de 2,5% do PIB. Molan mostra preocupação com o ritmo de crescimento das despesas. Os gastos da União com pessoal e encargos sociais cresceram 25,36% no primeiro bimestre, para R$ 27,6 bilhões. No mesmo período, os investimentos subiram 13,9%, para R$ 2,7 bilhões. Para ele, é crucial controlar as despesas correntes, como pessoal, de modo a preservar os investimentos. A legislação que elevou os rendimentos dos servidores permite o adiamento dos reajustes, em caso de frustração de receitas. O ponto é que a decisão é politicamente complicada, dizem Molan e Salto.
O economista Fernando Fenolio, do Unibanco, acredita que o superávit de 2009 deve ficar entre 2,5% e 3% do PIB. Segundo ele, é possível conseguir um saldo na casa de 3% do PIB se o governo bloquear algo como R$ 34 bilhões do Orçamento – até o momento já foram anunciados cortes de R$ 25 bilhões. Outra opção é contingenciar menos que R$ 34 bilhões e usar parte do dinheiro do Fundo Soberano, diz ele.
Desde o fim de 2008, o governo anunciou medidas que totalizam uma renúncia fiscal líquida de R$ 10,8 bilhões neste ano, estima Fenolio. Ele inclui nessa conta desonerações como a redução da alíquota do Imposto de Renda para a Pessoa Física, a diminuição do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos e material de construção e de Cofins para motos, além do aumento da tributação sobre os cigarros. "Não acho que seja um valor exagerado num momento de crise como o atual", afirma Fenolio, que considera mais descabido os elevados aumentos contratados para o funcionalismo. Salto e Molan também não veem exagero nas medidas de renúncia fiscal.
Para Salto, o governo deveria reconhecer logo que a meta oficial de superávit primário não será cumprida neste ano, para não arranhar a credibilidade obtida nos últimos dez anos. O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, discorda. Para ele, o mercado já sabe que o a meta de 3,3% do PIB não será cumprida. Manter o número hoje funciona muito mais para impedir que outras áreas do governo pressionem o Tesouro para gastar mais. Segundo ele, se o número foi mudado, o raciocínio de grande parte do governo será: para que conter despesas se é possível mexer na meta?
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Sergio Lamucci, de São Paulo.