O governo federal tem alternativas para desonerar segmentos como a indústria de linha branca ou de máquinas sem mexer necessariamente com o IPI, cuja arrecadação é compartilhada com Estados e municípios. Entre as possibilidades, estão reduzir alíquotas do PIS ou Cofins. Nesse caso, o governo consegue manter a estratégia de promover desonerações por segmento e aumentar a demanda pelos produtos incentivados. Outra ideia é tentar uma desoneração mais linear, como a da contribuição previdenciária sobre a folha salarial, que poderia estimular emprego e, assim, elevar a disponibilidade de renda e a demanda.
Dados da Receita Federal divulgados no último relatório de produção industrial do Ministério do Desenvolvimento, de 2007, mostram que o setor de máquinas, aparelhos e materiais elétricos, no qual está inserida a indústria da linha branca, responde por 5,8% da arrecadação do IPI. Caso seja concedida a desoneração, uma das ideias seria compensar seu efeito na arrecadação com a elevação de alíquotas para bebidas alcoólicas. O segmento todo, incluindo produtos com ou sem álcool, participa com 8,84% do recolhimento de IPI. As alcoólicas representam pouco menos de metade da arrecadação do imposto com bebidas. Para os tributaristas, a conta não é tão simples. Uma elevação muito grande nas bebidas pode jogar parte das vendas na informalidade, o que prejudicará a recomposição da arrecadação do imposto.
"O tributo que menos pertence à União é o IPI", diz Clóvis Panzarini, ex-coordenador tributário da Secretaria de Fazenda paulista. Ele lembra que 58% da arrecadação do imposto vai para Estados e municípios. Para evitar mexer mais ainda na receita das demais esferas de administração, a solução está em reduzir PIS e Cofins. "Isso pode ser feito por segmento, mas é necessário que seja aplicado em toda a cadeia, desde a indústria até o varejo, com manutenção do crédito." Para ele, a redução das contribuições se refletiria nos preços. "Em tempos de crise, a empresa não consegue apropriar a vantagem tributária sem repassar no preço."
O ex-secretário da Receita Everardo Maciel critica a redução de impostos para setores específicos. "Isso faz outros segmentos pedirem medida semelhante e abre brechas." Segundo ele, uma redução de IPI para determinados produtos pode resultar num incentivo mais amplo do que se imaginava porque os fabricantes tentam enquadrar suas mercadorias dentro do benefício. Ele acredita que a compensação da redução do IPI com elevação do mesmo imposto para bebidas alcoólicas pode não funcionar. "As bebidas frias acabaram de ter aumento de IPI. Um novo aumento obriga os fabricantes a repassar a elevação no preço ou provoca informalidade. Nas bebidas quentes, o grande problema é o contrabando."
Para Maciel, o caminho é a redução de contribuição previdenciária. "É uma desoneração linear, que beneficia todos os setores e ameniza o que é hoje a principal carga tributária das empresas. Isso seria repassado no preço e também manteria emprego." Para ele, uma redução de 20% para 18% na contribuição previdenciária já traria resultados positivos. "Mas é bom lembrar que a medida não pode ser isolada, precisa ser acompanhada de outras iniciativas."
Embora criticada por especialistas em tributação, a ideia é vista com bons olhos por alguns especialistas em contas públicas. Para eles, a medida pode ser eficiente para elevar consumo e aquecer a economia, mas acende um sinal amarelo para a situação fiscal.
Para a economista Margarida Gutierrez, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a eventual redução do IPI de eletrodomésticos é uma opção interessante para estimular a demanda, dado o quadro de forte esfriamento da atividade econômica. No quadro atual, o importante é estimular setores que têm um efeito multiplicador relevante sobre o restante da economia, como o de eletrodomésticos e o automobilístico, diz ela.
A questão, segundo ela, é que a situação fiscal limita a capacidade do governo de conceder renúncias fiscais expressivas neste ano. Com a arrecadação em queda e elevados gastos correntes já contratados, é preciso adotar medidas para compensar, pelo menos em parte, a queda de receita a ser causada pela eventual redução do IPI de eletrodomésticos. "Nesse cenário, faz sentido aumentar o IPI do setor de bebidas", afirma ela, ainda que a decisão deva provocar reclamações do segmento. Para Margarida, o país paga o preço de ter feito por dez anos um ajuste fiscal de má qualidade, em que o aumento significativo dos gastos correntes foi sempre acomodado pela elevação da carga tributária. "O problema é que o governo não pode abrir mão de muitas receitas, porque a conta não fecha", diz, lembrando que o governo trabalha com um aumento de arrecadação otimista, já que se baseia num crescimento da economia de 2% neste ano. Para ela, o PIB deve crescer de 0,5% a 0,6%.
A economista Fernanda Feil, da Rosenberg & Associados, também considera uma troca positiva reduzir o IPI de eletrodomésticos e elevar o do setor de bebidas. Ela vê como louvável a ideia de desonerar a folha de pagamentos, lembrando que o Brasil é um dos países com uma das tributações mais elevadas sobre o salário. Como Margarida, ela acredita que a medida pode ter um impacto favorável sobre o emprego. A economista diz que isso é importante para impedir uma queda mais acentuada do consumo e, com isso, manter a economia em funcionamento. Outra possível vantagem é reduzir gastos com o seguro-desemprego. O ponto é que não há espaço para grandes renúncias fiscais, diz Margarida.
Para Fernanda, o governo deveria reduzir a meta de superávit primário de 2009, hoje de 3,8% do PIB, considerada inatingível, para 2,8% do PIB, com a possibilidade de abater desse número o equivalente a 0,5% do PIB em obras prioritárias de infraestrutura. Com uma meta mais realista, seria mais palatável trabalhar com eventuais reduções tributárias.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalistas: Marta Watanabe e Sergio Lamucci, de São Paulo.