Com camisetas azuis da Defesa Civil Estadual, profissionais da Engenharia Civil e Geociência do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da UFSC visitam casa por casa das 79 áreas de risco de Blumenau. A pedido da prefeitura, são responsáveis por emitir laudos sobre as condições de reocupação dos terrenos. Moradores são orientados sobre o que fazer para reduzir o risco ou conviver com ele. A intenção é encontrar alternativas para que o maior número possível de blumenauenses possa permanecer em casa com segurança. O trabalho que começou em março não tem data para ser concluído. As avaliações começaram pela Região Sul, a mais afetada pela catástrofe no município. Ontem de manhã, entre uma e outra avaliação na Rua Engenheiro Odebrecht, no Garcia, o engenheiro civil e doutor em Habitação e Planejamento Urbano, Roberto de Oliveira, 60 anos, e a doutora em Geografia Angela da Veiga Beltrame, 46, explicaram ao Santa por que o processo é tão demorado.
Jornal de Santa Catarina – Cinco meses depois da catástrofe, os laudos ainda não foram entregues à população. Por que?
Angela Beltrame – Estamos em pelo menos outros 10 municípios. Em Pomerode, já concluímos o trabalho. Blumenau só nos chamou na segunda quinzena de março. Então estamos chegando com atraso. Nosso trabalho é minucioso. Passamos de casa em casa, conversamos com os moradores, mostramos quais são as alternativas para resolver, minimizar e conviver com o risco.
Santa – Como os laudos são elaborados?
Angela – Ganhamos uma listagem de casas da prefeitura, mas não nos restringimos a ela. Vamos à "caça" dos deslizamentos a partir da lista. Se um morador informa que há mais casa atingidas, de vizinhos que não estão na lista, vamos lá também. Estamos fazendo varredura, casa por casa atingida. Preenchemos formulários com as informações. Em Florianópolis, eles são revisados, digitados, impressos, assinados e enviados à prefeitura para serem entregues à população.
Santa – Quanto tempo leva para concluir o laudo?
Roberto de Oliveira – Era pra levar 15 dias, mas está levando mais. Nós, especialistas, também damos aula na UFSC. Desde que o ano letivo começou, temos menos pessoas para ir a campo e processar os dados. Pretendemos mudar o sistema de entrega dos laudos ao município, e enviá-los pela internet, antes de assinar. Fizemos isso em outra cidade e agilizou o processo.
Santa – Que informações são colhidas com os moradores?
Angela – Eles nos contam e mostram o que aconteceu. E daí damos parecer técnico com recomendações. A edificação pode ser liberada sem restrição, liberada com restrição ou interditada.
Santa – É isto que o laudo vai informar?
Angela – A população vai receber dois laudos. Um terá informações sobre o relevo onde o terreno está inserido. Blumenau é rica em situações de risco, onde as habitações estão sendo colocadas ou na margem ou dentro do próprio curso da água. O outro laudo é o civil, em relação às condições da construção.
Santa – O que é levado em conta para definir pela interdição, liberação com restrição ou liberação total?
Angela – É preciso analisar caso a caso, para não gerar um problema social maior. As pessoas estão emocionalmente transtornadas. Imagina se elas ainda tiverem de abandonar as casas e procurar outro lugar?! Muitas são de baixa renda. Elas vão retornar, querendo ou não. Então temos de ensiná-las a conviver com o perigo. E como todo aprendizado, o processo é lento.
Santa – Porém, haverá interdições?
Angela – As casas que estão no caminho das águas, a maioria já foi destruída na catástrofe. Então, o terreno será interditado. Como acontece com a última casa da rua (Engenheiro Odebrecht, no Garcia), que está represando a cachoeira. Esta tem de ser destruída. E ali tem de ser feita uma área de captação natural de água, como um jardim, a boca de lobo aumentada e a rua drenada.
Santa – Existe encosta livre de riscos?
Angela – Risco zero não existe. Há encosta com camada de solo muito estreita, que já reduz bastante o risco. E tem encosta com pacote muito grande de solo, que quando encharcado terá comportamento de líquido e vai deslizar. Blumenau está inserida numa região de altíssima pluviosidade em relação às demais regiões do Estado. A grande maioria da população das encostas de Blumenau terá de aprender a conviver com o risco e a identificar os sinais de insegurança.
Santa – Que sinais são estes?
Angela – A abertura de fissuras no solo, a saída de água barrenta por estas aberturas, que é sinal de perigo. A chuva é o principal agravante dos deslizamentos, mas percebemos que a água pode continuar represada dentre o solo, depois da chuva, e fica pressionando pra sair.
Santa – E qual vai ser o papel do município na orientação para conviver com o risco?
Angela – É um trabalho educativo. São programas que têm de surgir. A população vai ter que ter esta compreensão, de que para o poder público as situações são novas também.
Roberto – Estou recomendando à prefeitura, quando da entrega dos laudos, que monte equipes de moradores para gerenciar a quantidade de chuva e o deslizamento de encostas.
Santa – Que tipos de programas são estes?
Angela – As pessoas vão ter de monitorar a quantidade e tempo de chuva, com pluviômetros individuais ou para um conjunto de casas, se há água escorrendo por fissuras ou vertendo. Muitas destas estratégias devem ser coletivas, os vizinhos têm de se dar as mãos. A água que cai na tua casa vem da casa de outro vizinho. A catástrofe é um ensinamento para que as pessoas consigam se relacionar. Não vejo como os problemas podem ser resolvidos se não for assim.
Santa – Que tipo de obras as pessoas são orientadas a fazer no caso da liberação com restrição?
Roberto – Cada caso é um caso, mas em geral é muro de arrimo e drenagem, que é fundamental porque, se a gente deixar a água fora de controle, seremos controlados pela água.
Santa – Vocês recolhem amostras do solo para analisar?
Angela – Esse procedimento é para um nível de pesquisa que tem que vir por consequência, mas que neste momento não estamos fazendo. Nosso trabalho é imediatista, de situação de urgência. Poderemos dizer ao morador: seu terreno sofreu deslizamento, numa encosta de tantos metros de altitude, com tantos por cento de declividade, apresenta ou não fissuras, se essas fissuras têm surgência de água (que é um indicativo de risco), e que se chover você terá de sair de casa ao perceber sinais de risco. Mas não posso dizer quantos milímetros tem de chover para haver risco de deslizamento. Seria pesquisa para mais de ano.
Santa – Percebi que vocês adiantam orientações para o morador durante o trabalho de campo…
Angela – Estamos mostrando que ele terá de ser fiscal do próprio terreno e que se estes sinais aparecerem terá de sair de casa por um tempo, até a chuva passar.
Santa – Muitas pessoas não têm para onde ir…
Angela – Isso é muito difícil. Por isso, para interditar uma casa, levamos em conta especialmente esta questão. Tem risco, tem. Mas antes conviver com o risco, talvez, do que sair da sua estrutura social, ir para um abrigo e ter outros problemas, até emocionais. Sugerimos ao morador, que sempre irá preferir ficar na casa, que monitore o risco. Disto depende a vida dele.
Veículo: Jornal de Santa Catarina.
Edição: 11615.
Editoria: Geral.
Jornalista: Daiane Costa (daiane.costa@santa.com.br).