Um parágrafo favorecendo municípios que não prestaram contas de recursos voluntários recebidos da União pode complicar as negociações em torno da Medida Provisória 462, na Câmara dos Deputados. Visto com desconfiança pela oposição, o dispositivo incluído no projeto de conversão do relator, deputado Sandro Mabel (PR-GO, líder do partido e aliado do governo), permitirá a essas administrações, se aprovado, firmar convênios novos antes de devolver, ao Tesouro, dinheiro cuja destinação foi mal ou não explicada.
Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que, exclusivamente por problemas não resolvidos de prestação de contas de repasses antigos (falta de entrega ou insuficiência de documentação), 21% dos municípios, fecharam o primeiro semestre com ficha suja no Cadastro Único de Convênios (CAUC). Espécie de "Serasa" das prefeituras, o CAUC é uma das ferramentas usadas pelo Tesouro no cumprimento de obrigações da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E uma dessas obrigações é impedir que municípios em situação irregular com a União firmem convênios para receber novas transferências voluntárias da União.
O trecho que beneficia essas 1.167 prefeituras foi incluído pelo relator como parágrafo 6º do artigo 1º do seu projeto de lei de conversão (PLV). Pelo texto, dívidas municipais relacionadas à devolução de repasses pedentes de prestação de contas poderão ser pagas em até 20 anos, com correção equivalente à média entre a Selic (hoje em 8,75% ao ano) e a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP, hoje em 6%). Feita a adesão ao parcelamento, não havendo outro motivo de bloqueio, a situação da prefeitura voltará ser considerada regular perante o CAUC, permitindo que o município volte a receber recursos federais de convênios.
A MP 462 foi editada em maio, como resposta à pressão de prefeitos e parlamentares por complementação do Fundo de Participação dos Municípios. Por causa dos efeitos da crise sobre a arrecadação, em 2009, o valor nominal dos repasses do FPM caiu comparativamente a 2008.
Antes da MP 462, a oposição já defendia essa complementação do FPM. Editada a medida, PSDB, DEM e PPS ainda fecharam acordo com o relator para incluir a revisão de dívidas previdenciárias, destaca o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). Por outro lado, afirma que , em momento algum, esse acordo incluiu parcelamento de débitos relativos a prestação de contas não feitas ou mal feitas de antigas transferências.
Para o líder, uma coisa é defender o parcelamento e a revisão de dívidas resultantes da evidente dificuldade financeira das prefeituras de recolher contribuições patronais à Previdência Social. Outra coisa, bem diferente, é dar tratamento semelhante a débitos que podem até envolver desvio de recursos públicos repassados pela União.
Antes de tomar uma posição definitiva , Ronaldo Caiado informa que o DEM precisa analisar melhor o projeto de Mabel . Mas, em princípio, ele não esconde que o partido não vê a ideia com bons olhos, preferindo se ater ao que foi negociado até agora. O líder do PSDB na Câmara, deputado José Anibal (SP), reage de forma semelhante. Por enquanto, ele prefere não atacar a proposta de Mabel. Mas deixa claro que o partido "vê com reservas" esse ponto. Anibal diz que o PSDB até se dispõe a estudar a questão, mas partindo do ponto de vista da defesa da LRF.
Mabel explica que prefeitos reclamam que a renegociação e parcelamento de débitos com a Previdência não foi suficiente para que suas cidades voltem a receber recursos federais voluntários. "São prefeitos de municípios que fizeram esforço para regularizar sua situação com a Previdência, obtiveram a Certidão Negativa de Débito e ainda assim não podem pegar dinheiro novo por causa de convênios feitos, na maioria das vezes, duas ou três gestões atrás. Na sua visão, quem deve ser punido são os prefeitos responsáveis por esses convênios antigos e não os municípios. Para Mabel, a proposta não é uma anistia, pois as prefeituras terão que confessar essas dívidas.
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que representa capitais e cidades maiores, gosta da proposta do relator, embora não tenha formalizado nenhuma demanda nesse sentido. " O problema que ele visa a solucionar é real , atinge muitos municípios e foi objeto de debate na última marcha (de prefeitos)", afirma João Coser, presidente da FNP.
Já a direção da CNM, que representa principalmente municípios menores, tem outra visão. Conhecido crítico da forma como são feitos os repasses voluntários a municípios, o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, acha que, da forma como está, a proposta de Mabel é ruim, podendo induzir municípios a devolver recursos que, maioria dos casos, foram utilizados em benefício da população. O fato de haver problema na prestações de contas, acredita, não quer dizer que houve desvio em todos os casos. Ele admite que pode até haver casos de desvio. Mas está convicto de que o problema é muito mais de falta de estrutura das prefeituras para controlar a aplicação dos recursos federais da forma como o governo exige.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Política.
Jornalista: Mônica Izaguirre.