A 470 e o vale da morte

Os registros jornalísticos sobre acidentes nas rodovias federais em Santa Catarina nos fins de semana não causam mais nenhum impacto na população. Estão transformados apenas em dados estatísticos. Frios, distantes, sem mais nenhum significado. Eles são fortes apenas para os familiares e os amigos das vítimas. Ali, um só caso tem a dimensão de uma tragédia humana. Quantas famílias não choram todos os fins de semana a perda de entes queridos, subitamente tragados pela violência do trânsito? Quantos chefes de família, profissionais especializados, operários qualificados, empresários, jovens com horizontes promissores, crianças com um mundo pela frente tiveram suas vidas ceifadas pela brutalidade das rodovias?

Santa Catarina tem na BR-101 sua estrada mais movimentada. Faz a principal ligação entre o Sudeste, o Sul e os países do Cone Sul. É a mais bela do Estado. É, também, a com números mais trágicos. No consenso popular criou-se até a ideia de que era a mais violenta de todas. Não é!

A reportagem que o Santa publicou sobre as mortes na BR-470 está a merecer uma profunda análise de toda a sociedade catarinense, a começar pelas chamadas forças vivas do Vale do Itajaí. Ninguém tem o direito de se omitir diante de números tão brutais e desumanos.

O repórter Rafael Waltrick produziu para o Santa um documento que constitui um libelo contra a representação política federal, o Dnit, a Polícia Rodoviária Federal, deputados estaduais, prefeitos, vereadores e todas as entidades, comunitárias, classistas, partidos, clubes de serviço, etc. A BR-470 transformou o belíssimo e progressista Vale do Itajaí no Vale da Morte.

Correções

A reação mais condenável que se pode ter diante do trabalho jornalístico do Santa, com ilustrações e destaques numéricos que realmente impressionam, é o silêncio, a omissão, o desinteresse. Cada cidadão tem a obrigação de se indignar diante desses atentados contra a vida. Afinal, são múltiplas as causas desse massacre, muitas delas corrigíveis por intervenções mínimas das autoridades.

A providência mais urgente a ser tomada – todos sabem – só virá com a duplicação. Como este sonho está longe de ser realizado, que ações emergenciais sejam logo executadas. Começando por um estudo técnico sobre o traçado da estrada, as condições de tráfego, o sistema de sinalização, os entroncamentos perigosos, as curvas que se transformaram em armadilhas e assim por diante. Isto depende do Dnit, da Polícia Rodoviária Federal, quem sabe de um trabalho comunitário do Crea. Feito o diagnóstico técnico, a execução das medidas corretivas.

Ao mesmo tempo, duas decisões concretas que podem poupar preciosas vidas humanas: mais eficiência na fiscalização dos patrulheiros, incluindo aí a contratação de outros profissionais; e conscientização dos motoristas e dos motoqueiros. O trabalho feito pelo Santa tem um caráter didático, ao informar, por exemplo, que a principal causa dos acidentes tem sido a falta de atenção. É irresponsabilidade dos motoristas ou desatenção provocada por outdoors colocados improvisadamente nas rodovias? Onde estão os motivos reais? O que fazer para eliminá-los?

A partir desta segunda-feira, cobrança, muita cobrança. Sobre o que debaterão os vereadores nas Câmaras do Vale do Itajaí, que decisões serão tomadas pelos prefeitos, o que discutirão os deputados na Assembleia e o do que tratarão deputados federais e senadores no Congresso?

Chega de abobrinhas e politicagem. Eles foram eleitos para tratar das questões reais da população. Acabar com estas mortes estúpidas no Vale é uma delas.

Veículo: Jornal de Santa Catarina.
Edição: 11780.
Coluna: Moacir Pereira.
Página: 4.