As contas públicas tiveram no ano passado o pior desempenho desde 2006 por causa da queda na arrecadação e do aumento de gastos promovido pelo governo. A diferença entre as receitas da União, Estados, municípios e empresas estatais em relação às despesas totais – incluídos os gastos com juros – foi negativa em R$ 104,6 bilhões, o equivalente a 3,34% do Produto Interno Bruto (PIB), soma de todas as riquezas produzidas no País. "Não é um resultado assim tão elevado, ao passo que no resto do mundo estamos observando resultados fiscais expressivamente deficitários", disse Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do BC.
A piora no resultado nominal das contas públicas é significativa se comparada com o desempenho de 2008, quando o déficit atingiu 1,9% do PIB. Uma das razões que levaram a isso foi o fraco esforço fiscal para o pagamento de juros da dívida, conhecido como resultado primário.
Com a queda das receitas e a aceleração das despesas – influenciada pelas desonerações promovidas pelo governo para combater a crise – o superávit primário de 2009 atingiu R$ 64,5 bilhões, ou 2,06% do PIB, o pior resultado desde 2001, início da série histórica do BC. Na comparação com 2008, o esforço de 2009 foi 39% menor.
Para garantir o cumprimento da meta de superávit primário definida para o exercício, o governo teve pela primeira vez de usar a prerrogativa de "descontar" das despesas parte dos investimentos feitos ao longo do ano. O desconto somou R$ 13,9 bilhões, ou 0,44% do PIB. O mecanismo foi estabelecido em 2001. No ano passado, ele permitia ao governo abater da meta fiscal de 2,5% do PIB investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) equivalentes a até 0,57% do PIB.
Altamir atenuou o fraco desempenho do superávit primário. "Em razão da crise, tivemos uma redução expressiva da receita, seja por nível de atividade, seja por desonerações. Isso já era esperado", afirmou. "Isso não se deu exclusivamente no Brasil, mas no mundo inteiro, diria até que no Brasil foi em menor intensidade." Ainda assim, foi o resultado primário menor que justificou o aumento do déficit nominal, uma vez que as despesas com juros em proporção do PIB atingiram 5,4%, o menor nível da série do Banco Central.
As manobras contábeis feitas pelo governo no fim do ano passado, como a venda de dividendos da Eletrobrás para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), garantiram um resultado atípico para as contas em dezembro, período em que tradicionalmente o governo apresenta déficits. De acordo com o Banco Central, o setor público conseguiu fazer um superávit primário de R$ 276 milhões naquele mês.
Apesar das críticas de alguns analistas, Altamir afirmou que as medidas adotadas foram "coerentes" com as regras em vigor. "Todas as operações realizadas foram absolutamente em conformidade com a metodologia existente."
Na avaliação de Altamir, o aumento do déficit nominal será revertido em 2010. "Nossas projeções são bastante favoráveis." O BC estima que a economia brasileira poderá crescer 5,8%, o que irá aumentar a arrecadação de tributos, garantindo assim o cumprimento da meta fiscal, que subirá para 3,3% do PIB neste ano. "Sem dúvida, teremos um nível de atividade muito mais forte, levando a uma arrecadação maior, o que deve contribuir decisivamente para uma situação fiscal melhor." Se a meta for cumprida, o déficit nominal poderá recuar para a 1% do PIB, acrescentou.
Nem mesmo as eleições preocupam o Banco Central. Segundo Altamir, há uma certa "mudança cultural", do ponto de vista fiscal, que tem contribuído para que o desempenho das contas públicas em anos eleitorais não seja muito diferente dos demais anos. "A postura dos governantes tem sido um pouco diferente em anos eleitorais, mesmo porque os controles são muito rígidos, você tem uma Lei de Responsabilidade Fiscal que assim o exige", disse Altamir. "Não que o ano eleitoral não afete, mas tem afetado muito menos em todas as esferas de governo."
Veículo: Jornal O Estado de São Paulo.
Editoria: Economia & Negócios.
Jornalista: Renato Andrade.