A evolução do conceito de reserva legal

Reserva legal é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas. O conceito normativo de reserva legal é dado pelo artigo 1º, parágrafo 2º, inciso III, do Código Florestal – a Lei nº 4.771, de 1965, com a redação da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001.

A área de reserva legal tem que existir em toda e qualquer propriedade rural brasileira. Isso significa que parte do imóvel deve conter uma reserva florestal, que varia de acordo com a região geográfica em que está localizada: compreende 80% do imóvel no caso da Amazônia Legal, 35% se em área de cerrado e 20% nas demais regiões do país.

O conceito evoluiu com a legislação. O que antes significava conservação de parte das matas que se supunham existentes, passou a significar, também, dever pró-ativo de criar tal reserva onde não exista.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) defende ser dever dos proprietários de imóveis rurais, mesmo em áreas onde não houver floresta ou vegetação nativa, adotar as providências necessárias à restauração ou à recuperação da vegetação (RESP 927.979/MG; RESP 821.083/MG; RESP 865.309/MG; RMS 22.391/MG; RESP 973.225/MG).

A reserva legal foi instituída no artigo 16 do Código Florestal. A obrigação de recompor a cobertura veio com a Lei nº 7.803, de 1989 que, ao acrescentar o parágrafo 2º, ao artigo 16, desvinculou a reserva da preexistência de matas ao estabelecê-la em no mínimo 20% de cada propriedade e ao determinar sua averbação no Registro de Imóveis, assim como decorreu, também, da Lei nº 8.171, de 1991, que, ao cuidar da política agrícola, determinou em seu artigo 99 a sua recomposição, mediante plantio durante determinado período (Resp 948.921/SP).

A jurisprudência do STJ já consagrou a responsabilidade do atual proprietário, ainda que não tenha sido ele o responsável pelos desmatamentos anteriores. Aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de regeneração tem natureza "propter rem" e corresponde à responsabilidade objetiva (Resp 343.741/PR; RESP 843.036/PR; RESP 927.979/MG; Resp 926.750/MG; Resp 453.875/PR).

A reserva legal – como limitação administrativa à propriedade – decorre de lei. Portanto, diz-se que a reserva legal preexiste a qualquer providência registrária de averbação; esta pode ser considerada ato secundário. O objetivo é perpetuar a localização da área protegida dentro da propriedade, que não poderá sofrer alteração de sua destinação. A finalidade primordial, portanto, é dar publicidade e obrigar o proprietário a manter, recompor ou restaurar a reserva.

A importância da averbação da reserva legal evoluiu de tal maneira que, hoje, tem reflexo em outras questões inerentes a imóvel rural.

A área de reserva legal, por exemplo, para ser excluída do cálculo de produtividade do imóvel, para efeito de desapropriação para fins de reforma agrária, deve ter sido averbada no registro imobiliário antes da vistoria. Há precedentes do STJ (Resp 865.697/TO; Resp 932.859/GO; Resp 1.030.152/TO; Resp 933.586/GO) e também do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) – MS 22.688/DF; MS 23.370/GO; MS 24.113/DF).

No âmbito do Imposto Territorial Rural (ITR), para se excluir a reserva legal da base de cálculo do imposto, a área tem que estar averbada na matrícula (Resp 1.125.632/PR), apesar de existirem julgamentos que admitem outros meios de prova. O STJ até já condicionou uma ação de retificação de área à averbação da reserva, artigo 16, § 8º, do Código Florestal (RESP 831.212/MG).

É bem verdade que o Código Florestal dispôs sobre a obrigação de averbar, mas não sobre a oportunidade em que devia ocorrer tal averbação, o que gerava grande discussão. Ressalte-se que a norma somente previa o prazo de 30 anos para recomposição da cobertura vegetal, mas não de averbação expressamente.

É por isso que adveio o Decreto nº 6.514, de 2008, alterado pelo Decreto nº 6.686, de 2008, estipulando o prazo até o dia 11 de dezembro de 2009, para os proprietários de imóveis rurais averbarem as áreas destinadas à reserva legal junto ao Registro de Imóveis competente, sob pena de multa. Esse prazo foi prorrogado para o dia 11 de junho de 2011, por meio do Decreto nº 7.029, de 10 de dezembro de 2009.

Como visto, o conceito de reserva legal evoluiu, especialmente ante a jurisprudência. O advento da Constituição Federal de 1988, certamente, foi o ponto de partida para os tribunais interpretarem a legislação já existente de maneira mais abrangente possível, e, com isso, modificarem o entendimento que até então tinham sobre a matéria.

A reserva legal representa, hoje, a maior preocupação dos proprietários rurais brasileiros. O prazo para averbação da reserva legal foi prorrogado, mas outras mudanças no Código Florestal estão por vir com relação a esse tema. Tais medidas estão sendo aguardadas com grande expectativa e representarão um fôlego a mais para os proprietários regularizarem seus imóveis rurais. Mas é fato que fugir da instituição, demarcação e averbação da reserva legal, a longo prazo, não será mais possível.

Gabriela Grassi Quartucci Guaritá Bento é advogada do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Legislação & Tributos.