As novas diretrizes nacionais para o ensino fundamental, com aprovação prevista para maio, devem recomendar a abolição da reprovação até o terceiro ano. O Ministério da Educação apresentará a proposta em audiências públicas que ocorrem neste mês e em abril. A intenção é transformar os três primeiros anos em uma espécie de ciclo de alfabetização, durante o qual o aluno não deve ser retido.
Na rede estadual de Santa Catarina, isso já ocorre desde 2007, quando o Estado aderiu ao ensino fundamental de nove anos. As reprovações que acontecem são por fre-quência insuficiente.
A justificativa do Ministério da Educação é de que o primeiro ano do novo ensino fundamental é apenas um início de alfabetização, que se encerra no terceiro ano. O temor, diz o MEC, é prejudicar uma criança tão jovem por toda a vida escolar. A medida é apenas pedagógica e não visa a garantia de vagas no primeiro ano em escolas públicas, o que por lei já é assegurado.
Reprovação apenas a partir do terceiro ano
No Estado, os alunos só são reprovados do terceiro para o quarto ano. O gerente do Ensino Fundamental, Isaac Ferreira, explica que os três primeiros anos formam um bloco inicial de aprendizado, quando as crianças começam a ser alfabetizadas.
– É recomendado que seja um processo ininterrupto dos seis aos oito anos. Depois, começa outro período da educação, que abrange o quarto e o quinto anos – observa Ferreira.
Ele enfatiza que o papel da escola é educar e não reprovar.
Antes desse modelo ser adotado, Ferreira garante que era alto o número de crianças reprovadas porque se pensava que a criança deveria sair do primeiro ano lendo e escrevendo e que só a partir do terceiro ano é possível verificar se o aluno foi alfabetizado ou se ainda não está preparado para a próxima etapa.
Uma diferente da outra
Para a psicopedagoga Ana Carolina Cubas a decisão precisa ser avaliada individualmente. Optar por não reprovar nenhum aluno é cair no erro de padronização.
Ela argumenta que se a criança for imatura, ela não ficará traumatizada porque nem vai assimilar que isso aconteceu. Para outras, a reprovação pode ser traumática e causar frustração, sensação de incapacidade e fazer com que a criança ache que nunca mais será boa nos estudos.
Para a psicopedagoga Márcia Fiates, a alfabetização não termina no primeiro ano e a criança chegará à maturidade cognitiva no terceiro ano do ensino fundamental:
– Repetir poderá trazer mais sofrimento do que ganhos pedagógicos.
Provas a partir do segundo ano
As salas do primeiro ano do ensino fundamental do colégio particular Criativo, em Florianópolis, têm mesas coloridas, agrupadas e estantes com brinquedos. As de segundo são mais sérias. As mesas, todas azuis, são colocadas em duplas e enfileiradas.
De acordo com a coordenadora geral da escola, Ana Cristi Ouriques, é preciso ter certeza de que as crianças do primeiro ano estão preparadas para as mudanças, não apenas físicas, que virão.
Nem por isso a escola opta pela reprovação. Ana Cristi diz que, no momento, o colégio não tem nenhum aluno repetente no primeiro ano.
Ao ingressar no ensino fundamental, os estudantes não fazem prova e não são avaliados com notas. Isso começa a acontecer no segundo ano. A coordenadora explica que, caso um aluno chegue ao final do primeiro ano, ainda com muitos problemas e atrasado em relação a outros, há uma conversa com a família para discutir se a criança fica ou segue adiante.
Primeira avaliação é a noção de escrita do aluno
O que é avaliado nessa primeira etapa é como a criança começou a construir a escrita. Ana Cristi acredita que o mais importante no primeiro ano é respeitar o tempo da criança de assimilar esse processo.
No colégio particular Bom Jesus Coração de Jesus, na Capital, as crianças de seis anos não são reprovadas.
A gestora da Educação Infantil ao Médio da escola, Andréa Regina Eckel, observa que nunca houve repetência nessa idade, mesmo quando os alunos estudavam no pré-escolar, antes de mudar para o ensino fundamental de nove anos.
"A gente quer construir trajetórias de sucesso"
Edna Borges coordenadora geral de Ensino Fundamental do MEC
O plano do MEC de transformar os três primeiros anos da educação básica em um ciclo sem reprovação foi revelado ontem por Edna Martins Borges, coordenadora geral de Ensino Fundamental do Ministério. Ela afirma que será necessário que as escolas adotem mecanismos para garantir o aprendizado:
DC – Como o Ministério da Educação avalia a reprovação de crianças de seis anos no primeiro ano do novo Ensino Médio, revelada pelo Censo Escolar?
Edna Martins Borges – O Ministério da Educação vê essa reprovação com muita preocupação. A ampliação do ensino fundamental para nove anos ocorreu com o objetivo de ampliar o tempo do aluno na escola, mas principalmente para ampliar o período de alfabetização nos anos iniciais. Nem todas as crianças conseguem se alfabetizar no mesmo tempo. A mudança no fundamental ocorreu exatamente para contemplar os ritmos diferenciados. Não tem o menor sentido reprovar crianças que ainda não conseguiram se alfabetizar aos seis anos.
DC – Qual será a orientação do ministério a esse respeito?
Edna – A recomendação do Ministério será de que os três primeiros anos sejam considerados como um ciclo de infância, um ciclo alfabetização, que seja contínuo e que não tenha reprovação. Estamos no período de discussão das novas diretrizes curriculares do Ensino Fundamental e vamos incluir a questão dos três anos no debate. Já existe um parecer do Conselho Nacional de Educação recomendando que não exista a reprovação nos três anos iniciais.
DC – Com a eliminação da reprovação, não se correria o risco de fazer avançarem crianças que não aprenderam?
Edna – A gente quer construir trajetórias de sucesso escolar, mas com aprendizagem. Não estamos defendendo que a criança não precisa aprender. As escolas terão de identificar aquelas crianças com dificuldade de aprendizagem e traçar estratégias pedagógicas para recuperá-las. Se os alunos forem progredindo de ano sem resolver as dificuldades, vira uma bola de neve.
Veículo: Jornal de Santa Catarina.
Edição: 8738.
Editoria: Geral.
Página: 18.
Jornalista: Júlia Antunes (julia.antunes@diario.com.br).