Líderes governistas da Câmara dão como certo o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à emenda do senador Pedro Simon (PMDB-RS) que determina uma nova divisão dos royalties do petróleo a Estados e municípios. O líder do Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), afirma que uma proposta "mais equilibrada" de repartição dessa receita será elaborada após as eleições, "sem a contaminação política e eleitoral", e votada no dia 10 de novembro, no projeto de lei que trata do assunto.
Aprovado na madrugada de ontem pelo Senado, após 11 horas de discussão, o texto agora irá à Câmara, onde o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), quer submetê-lo à votação no dia 15 de junho – estreia da Seleção Brasileira na Copa do Mundo da África do Sul. "Já estou convocando todo mundo", diz.
A possibilidade de os deputados suprimirem a emenda do projeto é considerada praticamente nula, já que ela nasceu na própria Câmara. "Vamos encontrar uma saída. Não tenho problema em descascar abacaxi", disse Vaccarezza.
Foi a Câmara que aprovou uma emenda do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), elaborada em conjunto com Humberto Souto (PPS-MG), que determinava a divisão dos royalties entre Estados (50%) e municípios (50%) via FPM e FPE. Essa emenda recebeu uma complementação de Simon no Senado, estabelecendo a necessidade de compensação dos Estados produtores.
Pela proposta, a parte da receita que é destinada aos Estados e municípios será repartida de forma mais equânime aos entes da federação, pelos critérios dos fundos de participação dos Estados (que ficarão com 50%) e dos municípios (50%). A emenda determina que caberá à União – com recursos de sua parcela dos royalties – compensar os Estados e municípios produtores pela redução de suas receitas.
A emenda foi incluída pelos senadores no projeto que tratava apenas de fundo social e regime de partilha de produção. A aprovação foi resultado de uma estratégia da Confederação Nacional de Municípios. Os prefeitos do país passaram dois dias pressionando seus parlamentares a votar a favor da emenda.
"Este é o momento talvez dos mais importantes desta Casa. Ela não está votando nem com o partido A, nem com o partido B, nem como oposição, nem como situação. Nós estamos votando a situação do nosso país. É uma grande luta que a gente está fazendo na busca de uma reforma tributária que nós nunca temos conseguido. Nós estamos aqui com a chance de fazer o início da reforma tributária", disse Simon, em defesa de sua emenda.
Assim como na Câmara, a derrota do governo não foi imposta por uma articulação da oposição. PSDB, DEM e dissidentes de partidos governistas apenas aderiram ao movimento. Simon e Ibsen foram os principais líderes da articulação pró-emenda, na votação do Senado. Ambos mostravam aos senadores uma tabela com a suposta receita atual de cada Estado com os recursos do petróleo e com o que passariam a receber com a aprovação da emenda.
De nada adiantaram as reuniões que o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) fez com senadores da base aliada para convencê-los a manter o texto de Jucá inalterado. E foram muitas conversas – mas Simon não foi chamado para nenhuma. O ambiente pré-eleitoral, durante o qual nenhum deputado ou senador quer votar contra seu eleitorado, foi decisivo.
"Sabíamos que, se a emenda fosse votada, ela seria aprovada", conta Renato Casagrande (PSB). Procurando cada colega no plenário, o capixaba fez apelo pela rejeição da emenda. Diante da constatação que era impossível derrotá-la, passou a defender o adiamento da votação.
Embora a favor da partilha e do fundo social, Casagrande votou contra o substitutivo de Jucá – assim como Dornelles e Magno Malta (PR-ES) -, porque a rejeição do texto básico seria a forma de evitar que a emenda Simon fosse apresentada. Mas o substitutivo foi aprovado por 38 votos a favor, 31 contra e uma abstenção. A emenda, votada a seguir, recebeu 41 votos sim e 28 não. Para o senador Francisco Dornelles (PP), do Rio, maior Estado produtor, a emenda "é a maior agressão que um Estado da federação já sofreu em toda a história do Império e da República".
A revolta maior dos senadores dos Estados produtores, que tentaram em vão adiar a votação da madrugada de quinta-feira, não é a simples mudança na regra de distribuição dos royalties. Eles reconhecem a necessidade de tornar a divisão dessa receita mais equânime, principalmente com a previsão de aumento dessa riqueza por causa do pré-sal.
O que não aceitam é perder a a receita (royalties mais participação especial) que os Estados já estão recebendo com a exploração dos poços localizados no mar já concedidos. "Vão tirar R$ 10 bilhões do Rio de um dia para o outro", diz Dornelles. "A emenda fere o princípio da preservação dos contratos, um ato jurídico perfeito", afirma Casagrande.
"O Rio de Janeiro está sendo agredido de uma forma brutal, na medida em que está perdendo todos os royalties de participação especial de campos já licitados, agredindo um direito adquirido, agredindo um ato perfeito", disse Dornelles. Ele disse que o royalty recebido pelo Rio é uma compensação pelo fato de ter perdido o direito de tributar o ICMS de petróleo, quando a Constituição estabeleceu que o ICMS de petróleo seria cobrado nos Estados consumidores. O Estado, segundo ele, abriu mão de uma receita de quase R$ 10 bilhões por mês. A emenda de Simon foi incluída no substitutivo de Jucá ao projeto que tratava das regras do fundo social, a ser criado com recursos do pré-sal.
Em seu substitutivo, Jucá incluiu também as normas regulamentando o novo modelo de exploração do petróleo no pré-sal, o regime de partilha de produção. Ele fez isso para desmembrar a parte relativa à partilha dos royalties, incluída pelos deputados no mesmo projeto. A intenção era deixar a discussão sobre os recursos para depois das eleições.
Na mesma madrugada os senadores aprovaram, por 47 votos sim, 6 não e 6 abstenções, o projeto de lei mais urgente para o governo: o que autoriza a União a ceder onerosamente à Petrobras o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural em áreas não concedidas do pré-sal até o volume de 5 bilhões de barris.
A votação, tumultuada, resultou em um texto com dispositivos que aparentemente se chocam. No artigo 49, consta como uma das origens dos recursos do fundo social a parcela dos royalties que cabe à União, exatamente a receita que a emenda de Simon prevê que seja usada para compensar os Estados produtores. Outra emenda aprovada, de três senadores governistas, determina que 50% do fundo social seja destinado à educação pública superior e básica. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sinalizou ontem, em entrevista a rádio de Alagoas, que irá vetar.
Uma outra emenda, de Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), inclui esporte entre as áreas a serem beneficiadas com os recursos do fundo. Outra, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), torna obrigatória a realização de auditoria ambiental de todo o processo operacional de retirada e distribuição de petróleo e gás oriundo do pré-sal.
Uma emenda do senador Delcídio Amaral (PT-MS) engloba as parcelas da União dos royalties e participação especial decorrentes dos blocos contratados com a Petrobras na denominada "rodada zero".
Emenda de Renato Casagrande determina que o Poder Executivo estabeleça política e medidas específicas visando aumentar a participação de empresas de pequeno e médio porte nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural.
Emenda de Paulo Paim (PT-RS) restabelece que, do total da receita do fundo social, 5%, no mínimo sejam destinados a um fundo para recompor o valor das aposentadorias, pensões e benefícios maiores que o salário mínimo pagos pelo INSS.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Política.
Jornalista: Raquel Ulhôa, de Brasília.