O governo decidiu recuar. A assinatura do decreto que altera as regras do modelo atual de concessão ferroviária, que estava prevista para hoje, foi adiada, contrariando as expectativas do presidente da estatal Engenharia, Construção e Ferrovias (Valec), José Francisco das Neves. Segundo o ministro dos Transportes, Paulo Passos, o governo quer discutir com o setor as possíveis mudanças no marco regulatório. A decisão agradou a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), instituição que representa as 12 concessionárias que assumiram as malhas da extinta RFFSA no país.
Durante o IV Brasil nos Trilhos, evento realizado ontem em Brasília, o diretor executivo da ANTF, Rodrigo Vilaça, disse que o governo deve publicar o decreto em até 20 dias. Durante a abertura do evento, o ministro Paulo Passos disse que a prioridade do governo é o acesso aos portos e a construção de corredores e contornos. "É preciso criar uma nova malha, mas sem esquecer da antiga", comentou. O novo marco regulatório, segundo Passos, prevê um novo modelo para construção e exploração de linhas férreas.
Entre os tópicos do novo marco está o estabelecimento de metas para as operações de transporte de cargas, a retomada de linhas subutilizadas e o direito de passagem de carga. As metas de transporte de carga podem exigir uma movimentação mínima dos consórcios. A principal reclamação da ANTF é que hoje o transporte é feito por demanda. Por isso instituir um limite poderia ser perigoso. "Imagine uma situação em que o mínimo de transporte de um produto seja de dez toneladas, mas a demanda de somente cinco toneladas. Não haveria motivo para levar certa quantidade de produto", disse Rodrigo Vilaça, da ANTF.
A retomada de linhas utilizadas é outro ponto critico. A ANFT alega que a passagem de carga, apesar de já ser feita, também gera polêmicas. Atualmente as regras são definidas pelas próprias empresas. Caso o processo seja liberado, é preciso que haja regulação. "Atualmente não está claro se, em caso de acidente, quem deve arcar com os custos, se é o dono do trecho ou da locomotiva. Para liberar o transporte, as regras devem estar claras", comentou Vilaça. "É natural que o governo mude algumas metas, pois o setor mudou muito."
A ANTF enumerou alguns resultados decorrentes da desestatização, como o crescimento de 56% da carga movimentada (de 253 milhões para 395 milhões de toneladas). Os concessionários também destacam o aumento de 77% na produtividade, além da redução no índice de acidentes em 80%. Desde a privatização do setor, em 1996, houve um crescimento de 48,1% do volume de cargas gerais transportadas, com destaque ao transporte de produtos do agronegócio, que cresceu mais de 208%.
Na área de transporte de carga, a ANTF calcula que as ferrovias atuais geraram uma economia da ordem de R$ 300 milhões por ano aos cofres públicos, montante referente ao déficit anual da RFFSA. Nos últimos 14 anos, a participação de ferrovias subiu de 17% para 26% na matriz de transportes de carga.
O ministro dos Transportes, Paulo Passos, assegurou também que não há possibilidade de se adotar o sistema de tarifa única no setor ferroviário. "O decreto terá um caráter normativo e não irá determinar previamente absolutamente nada", disse Passos. O ministro ainda garantiu que os contratos atuais não sofrerão qualquer modificação do governo. "O decreto não cria nenhum tipo de risco sobre os contratos existentes", disse.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Tarso Veloso, de Brasília.