O país aumentou os investimentos em serviços de água e esgoto nos últimos anos, mas os impactos da ampliação dos serviços na saúde ainda são relativos. Apesar do ritmo crescente de investimento no setor de saneamento – alta de 19% em 2009 sobre 2008 e 72% sobre 2003-, o número de internações por conta de doenças relacionadas à falta do serviço aumentou no começo deste ano, segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS). Foram 2.581 internações nos primeiros quatro meses deste ano, contra 2.332 no mesmo período do ano passado. O número é o mais alto desde 2003, quando foram registradas 2.825 internações no mesmo período. Entre 2004 e 2009, as internações relacionadas ao saneamento básico oscilaram em torno de 2.500, sem uma redução expressiva.
Para especialistas, as enchentes causadas pelas fortes chuvas no último verão no Sul, Sudeste e Nordeste influenciaram esse aumento, mas a lentidão na expansão do atendimento dos domicílios com água e coleta de esgoto também tem um grande peso na falta de melhoria expressiva desse quadro.
"Os parâmetros de atendimento mudaram muito pouco nos últimos anos, com uma perspectiva de universalização apenas no longo prazo. As crianças é que sofrem mais", diz Artur Timerman, infectologista e embaixador do Instituto Trata Brasil. Nos primeiros quatro meses deste ano, foram internadas 1.025 crianças com até nove anos, contra 933 no ano passado. O número, porém, é menor que em 2008, quando foram internadas 1.048.
Eduardo Hage, diretor de vigilância epidemiológica do Ministério da Saúde, diz que o governo não faz análises com dados quadrimestrais, apenas anuais, e em 2009 houve queda das internações sobre 2008, de 2.273 para 2.086. Um estudo de tendência, por sua vez, só é realizado olhando toda a série história. "Os estudos que olham toda a série mostram uma relação entre melhoria do saneamento e redução das internações", diz ele.
Segundo um estudo realizado pelo Trata Brasil, a universalização do acesso à rede de esgoto tem potencial para reduzir em até 50% as internações por doenças sanitárias em relação a um local com zero de atendimento. Considerando que hoje o país tem apenas 43,2% dos domicílios atendidos por coleta de efluentes (último dado do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento com base no ano de 2008), o impacto da chegada do saneamento poderia baixar o número de intenções em cerca de 35%.
"Ainda há espaço para vermos um impacto significativo na saúde por conta dos investimentos em saneamento", diz Fernando Garcia, coordenador da pesquisa do Trata Brasil. A equipe de pesquisa do instituto buscou isolar o efeito do saneamento e chegou à conclusão que uma cidade com 100 mil habitantes sem acesso à rede de esgoto tem cerca de 443 internações por conta de doenças gastrintestinais infecciosas. A mesma cidade com 100% de atendimento do serviço teria 229 internações causadas por distúrbios gastrintestinais.
Segundo ele, os dados de internações de 2010 devem ter sofrido influência do fator climático, mas mesmo assim não é possível ver uma tendência forte de redução olhando no longo prazo. "Os investimentos ainda estão pequenos para buscar a universalização. No ritmo atual, isso seria atingido apenas em 2050", diz ele.
Para a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), o investimento anual em saneamento deveria ser de R$ 13,5 bilhões. Em 2009, foram investidos R$ 6,85 bilhões. "Nós consideramos que os dados da saúde pararam de piorar, mas fica claro que a velocidade dos investimentos em água e esgoto ainda está muito aquém do necessário", diz Ralph Terra, vice-presidente da entidade. Ele considera que a piora dos dados da saúde neste começo de ano não deveria ser tomada como parâmetro. "É preciso olhar um período maior para não ser influenciado por fenômenos específicos como as enchentes", diz ele.
Segundo ele, o impacto maior dos investimentos em saneamento na saúde deve ocorrer nas áreas mais carentes, onde é preciso incentivo do governo, pois muitas vezes não há retorno econômico.
O aumento recente dos recursos aplicados no setor de saneamento pode não ser revertido imediatamente na expansão do atendimento (das casas pela rede de água e esgoto) porque muitas obras estão em andamento, como mostra o levantamento do Contas Abertas com base no último balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Apenas 12% das obras de saneamento foram concluídas até abril deste ano, enquanto 31% dos empreendimentos estão em execução e outros ainda estão no papel.
Segundo o Ministério da Saúde, apesar do crescimento das internações neste começo de ano, há avanços nos índices de mortalidade infantil e nas mortes de crianças por diarreia. Os dois sofrem influência direta do saneamento básico. A taxa de mortalidade infantil caiu de 23,6 para 19 em cada mil crianças entre 2003 e 2008.
As mortes por diarreia em menores de cinco anos, por sua vez, caíram pela metade entre 2003 e 2008. "Há uma redução de doenças relacionadas à falta de saneamento no grupo mais vulnerável, que são os menores de cinco anos, além de impactos na redução de doenças como cólera e febre tifóide", diz Hage, do Ministério da Saúde. Para obter esses resultados, o ministério destaca investimentos para ampliar o atendimento das crianças com novos leitos de UTI Neonatal e Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) neonatal.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Samantha Maia, de São Paulo.