Nove meses depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) definir que o Imposto Sobre Serviços (ISS) deve incidir nas operações de leasing, garantindo a vitória dos municípios em uma disputa bilionária, a maioria das ações sobre o tema continua com o andamento suspenso no Poder Judiciário. E as prefeituras ainda aguardam autorização para levantar os valores discutidos nos processos. O município de Itajaí, em Santa Catarina, parte no leading case decidido pelo STF, espera o desfecho de 270 ações judiciais suspensas, que somam R$ 25 milhões depositados em juízo. O valor equivale à verba anual destinada à infraestrutura pelo município, que tenta se recuperar dos estragos provocados pelas enchentes de novembro de 2008 – o Porto de Itajaí ainda opera com metade de sua capacidade.
Existem ainda R$ 100 milhões sendo discutidos em novas autuações feitas pelo município que estão ainda em fase administrativa, mas que também devem chegar ao Judiciário. Quando se fala em leasing, os números são sempre gigantescos. De acordo com dados da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (Abel), que reúne 34 empresas associadas aos grandes conglomerados bancários, o valor presente da carteira (VPC) é de R$ 99 bilhões, atualizado até 30 de junho, sendo que cerca de 80% do montante se refere ao leasing de veículos.
As ações estão paradas porque tanto o Supremo quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não colocaram um ponto final em outras discussões sobre o tema – a principal delas é saber se o ISS deve ser pago no município onde está a sede da empresa de leasing ou no local de prestação do serviço. O Supremo entendeu pela incidência do ISS sobre operações de leasing no julgamento de duas ações envolvendo os municípios de Santa Catarina – Itajaí e Caçador – e os bancos Fiat e HSBC. Foram ajuizados embargos à decisão envolvendo o município de Itajaí, para esclarecer onde o ISS deve ser cobrado. O recurso não foi conhecido pelo ministro Eros Grau, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Carlos Ayres Britto, e ainda não foi retomado.
A decisão do Supremo foi proferida no dia 2 de dezembro. Doze dias depois, o ministro Luiz Fux, do STJ, decidiu julgar como repetitivo – que orienta os demais processos sobre o tema – um recurso envolvendo a empresa Potenza Leasing e o município de Tubarão, em Santa Catarina, para definir, dentre outros temas, onde deve ser recolhido o ISS. O julgamento ainda não foi iniciado. A Lei Complementar nº 116, de 2003, que disciplina o ISS, tem dado margem para interpretações diversas no STJ em relação ao local de recolhimento do imposto.
Os municípios tentam cobrar o ISS no local em que a empresa está estabelecida. De acordo com Ricardo Almeida, consultor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), a fiscalização municipal cobra ISS de empresa que se instala em um local provisoriamente para executar o serviço, ainda que sem formalidades – como a obtenção de alvará. Para ele, esse entendimento não dá margem à sonegação. "Mas a fiscalização tem que demonstrar que está caracterizado um estabelecimento", diz Almeida.
Já as empresas do ramo defendem que seja cobrado o ISS onde estão sediadas. De acordo com Osmar Roncolato Pinho, presidente da Abel, no estabelecimento do prestador está toda a atividade de leasing, como a captação de recursos e a administração dos contratos. "As empresas estão recolhendo o ISS no local em que estão estabelecidas. E acabam sendo bitributadas, o que gera insegurança jurídica nas operações", diz Pinho.
Em Itajaí, a maioria das empresas de leasing batalha para que o ISS seja cobrado pelo município de Barueri, em São Paulo, onde estão instaladas, local em que o percentual de incidência do ISS era de 0,25% na época em que as ações foram ajuizadas na Justiça, enquanto na cidade catarinense a alíquota é de 5%. Desde 2003, a Constituição determina um percentual mínimo de 2% e máximo de 5% a ser cobrado pelas prefeituras. Enquanto a questão não se define, 270 ações estão paradas no Poder Judiciário. De acordo com a procuradora da área fiscal do município, Cathiane Regina Teixeira de Lima, alguns valores puderam ser levantados quando havia execuções provisórias em curso. No entanto, de acordo com a procuradora, após a decisão do STF, houve resgate de recursos em apenas uma ação.
Além das ações que estão sobrestadas, de acordo com Nabor Afonso Arruda, coordenador da auditoria fiscal da Secretaria da Fazenda de Itajaí, o município está trabalhando para analisar as operações de leasing nos últimos cinco anos, e novas autuações estão em andamento. Segundo Arruda, há cerca de R$ 100 milhões sendo pleiteados pelo município em novas autuações. "Acredito que um acordo com os bancos será o melhor caminho", diz Arruda. De acordo com ele, todas as ações estão baseadas em notas fiscais que provam onde foram retirados os veículos.
A expectativa é que o STJ defina logo a questão para que o montante possa auxiliar na recuperação de Itajaí após as enchentes. De acordo com informações da Secretaria da Fazenda de Itajaí, a receita mensal do município, considerando todas as arrecadações fiscais, é de aproximadamente R$ 28 milhões e as verbas que a União anunciou que iria enviar para a recuperação da cidade, por enquanto, ficaram apenas na promessa. "Acredito que a decisão do STJ deve sair em cerca de seis meses, passado o período eleitoral, que é conturbado", afirma Arruda.
Base de cálculo também é discutida
Uma discussão que também tem paralisado as ações judiciais sobre a incidência do ISS nos contratos de leasing é a definição da base de cálculo do imposto. O tema também é abordado no recurso repetitivo de relatoria do ministro Luiz Fux, que deve ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Outra possibilidade é que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue os embargos de declaração referentes à decisão proferida no processo do município de Itajaí (SC), que reconheceu a constitucionalidade da incidência do ISS sobre as operações de leasing.
Os municípios entendem que a base de cálculo para o ISS deve corresponder ao valor total do contrato de leasing. Já as empresas do setor defendem que apenas o ganho financeiro deve servir de base de cálculo. De acordo com Osmar Roncolato Pinho, presidente da Associação Brasileira das empresas de leasing (Abel), os municípios tentam cobrar o ISS em cima do valor total do bem, o que para ele seria incorreto. "Há municípios que arbitram um valor e impõem multas", diz Pinho.
Contexto
Nos últimos anos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha se consolidando no sentido de que o Imposto sobre Serviços (ISS) deveria ser pago no município onde fosse realizado o serviço. No entanto, em agosto deste ano, uma decisão da 2ª Turma do STJ envolvendo o município de Nova Canaã, em Minas Gerais, foi proferida em sentido oposto.
De acordo com o ministro Castro Meira, relator do processo na Corte, o ISS deve ser recolhido no local onde está o estabelecimento do prestador, em que exista uma unidade econômica ou profissional. Segundo o voto do ministro, isso significa que nem sempre a tributação será devida no local onde o serviço é prestado. "Ainda que seja uma decisão isolada, é importante porque muda a tendência do STJ", afirma o advogado Marcos de Vicq de Cumptich, do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Legislação & Tributos.
Jornalista: Luiza de Carvalho, de Brasília.