O Brasil foi o país que mais subiu, entre 2009 e 2010, na escala do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgada ontem pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP, da sigla em inglês). O país galgou quatro postos em 2010, mas, apesar do crescimento destacado em relação ao resto do mundo no ano passado, está na mesma posição em que estava em 2005: 73ª, na lista de 169 países analisados pelo Relatório de Desenvolvimento Humano. O relatório aponta uma melhoria generalizada nas condições de vida mundiais nos últimos 20 anos, à exceção de três países africanos.
Congo, Zimbábue e Zâmbia foram os únicos países que reduziram o índice de desenvolvimento humano em relação a 1970, segundo o relatório, que, pela primeira vez, faz um estudo sistemático das tendências e padrões de desenvolvimento humano em 135 países, que somam 92% da população mundial. O relatório também apresenta modificações no cálculo do IDH, índice que vai de zero a um – maior quanto mais alto o desenvolvimento do país, medido pelas condições de renda, saúde e educação. A média do IDH no mundo subiu de 0,57 em 1990 para 0,68 em 2010.
O indicador foi criado nos anos 90 para substituir índices ligados exclusivamente ao crescimento econômico, como o Produto Interno Bruto (PIB), até então adotados nas análises sobre desenvolvimento. Os responsáveis pelo IDH admitem que ainda há falhas, devido às profundas diferenças entre países e às dificuldades de traduzir em índices os diversos aspectos do bem-estar humano, mas defendem o indicador como elemento importante para orientar as políticas de desenvolvimento e a ação pública.
Os autores do relatório concluíram, por exemplo, que não há ligação automática entre crescimento e melhoria das condições de saúde e educação, contrariando pressupostos de políticas tradicionais de desenvolvimento direcionadas ao crescimento econômico. Irã, Togo e Venezuela tiveram queda na renda per capita e, no entanto, tiveram crescimento médio de 14 anos na esperança de vida da população e 31 pontos percentuais na taxa de matrícula bruta.
A experiência de países de menor desenvolvimento relativo mostra a possibilidade de ganhos sensíveis em educação e saúde, apenas pelo aumento de eficiência e uso de inovações tecnológicas, aponta o estudo, que chama de "erro grave" as políticas de desenvolvimento dedicadas apenas à elevação dos rendimentos da população.
As limitações do índice são evidentes, quando se percebe que o Brasil, em 73º lugar, é considerado país de menor desenvolvimento humano que Trinidad Tobago (59º), o Panamá (54º) ou a Bielorússia (61º). O relatório deste ano tenta refinar os dados com a criação de outro indicador, o IDHA, que ajusta o IDH ao grau de desigualdade no país, reduzindo a pontuação de acordo com a desigualdade na distribuição de renda, serviços de educação e indicadores de saúde. Com o ajuste, o Brasil caiu 15% em relação ao IDH tradicional (que pode ser considerado como um índice potencial, do desenvolvimento humano médio, caso não houvesse desigualdade no país).
O relatório cita o Brasil ao mostrar que a evolução positiva das políticas sociais vem reduzindo a disparidade entre o IDH tradicional e o IDH ajustado ás desigualdades. Essa diferença, de 27,2%, era bem maior em 2000 (31%) e já havia caído, em 2005, para 28,5%. O Brasil foi um dos poucos países do mundo a reduzir a desigualdade, mostra o relatório. O principal motivo para a colocação do Brasil abaixo de países como Argentina, México ou Uruguai é o desempenho inferior em educação.
O Ministério da Educação divulgou nota criticando as mudanças na metodologia, antes concentrada no índice de alfabetização e agora levando em conta fatores como a quantidade de anos de estudo na população acima de 25 anos. O MEC alega que esse método prejudica países emergentes, que só recentemente começaram a melhorar seu sistema educacional. Critica, ainda, o uso de estimativas ao lado de indicadores oficiais – artifício necessário para garantir indicadores mais atualizados.
O Brasil é citado no relatório como um exemplo, com China e Índia, de "nova heterodoxia" que desafia as convicções tradicionais a respeito da melhor estratégia para garantir o desenvolvimento, expressas no chamado Consenso de Washington. O Brasil e outros países de sucesso na América Latina e na Ásia Oriental são um exemplo de "processo de desenvolvimento virtuoso", por terem conseguido criar "capacidade adequada" nos setores público e privado e garantir ao Estado "poder de compensação suficiente para limitar o abuso do poder sobre o mercado por grupos capitalistas poderosos".
A capacidade do Estado de resolver as disputas políticas para garantir a expansão do provimento de serviços de saúde e educação, por exemplo, é, segundo o relatório, uma das características que diferem os países bem-sucedidos dos que entraram em "processos viciosos" de desenvolvimento, com aumento na concentração de renda e queda – ou baixo crescimento – na oferta da educação e saúde. Costa do Marfim e Rússia estariam nesse último caso.
O Brasil está entre os 25 países que subiram na lista do IDH. Outros 27 caíram e 116 ficaram na mesma posição do ano passado. Noruega, Austrália e Nova Zelândia são, pela ordem, os países de maior índice de desenvolvimento humano. Os três últimos são Níger, Congo e o Zimbábue, assolados por conflitos e doenças.
Para captar melhor a situação dos países e refinar as políticas públicas, entre os indicadores criados neste ano está também o Índice de Pobreza Multissetorial, que leva em conta seis indicadores de acesso a bens e serviços. Nos 104 países onde foi calculado o índice, 1,75 bilhão de pessoas, um terço do total, vive em privação, e pode ser considerada como "pobre multidimensional". Em mais da metade dos países, esse número é maior do que o considerado em extrema pobreza pelos critérios tradicionais.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2627.
Editoria: Brasil.
Página: A4.
Jornalista: Sergio Leo, de Brasília.