Saber se relacionar com a imprensa é uma competência cada vez mais desejável no currículo dos profissionais que estão na linha de frente das instituições. À medida que a população se apropria das redes sociais para cobrar qualidade dos produtos e serviços, organizações que funcionam como "caixas-pretas" vão se tornando anacrônicas. Um número crescente de empresas está investindo no treinamento de seus gestores para informar o público com mais eficácia e transparência. O objetivo também é prevenir crises e, quando necessário, superá-las sem traumas. Essa tendência não ocorre apenas no mundo corporativo. Os cursos estão sendo adotados por diversas organizações do terceiro setor e instituições públicas.
"Aprender a lidar com a mídia é como aprender a dirigir um carro: só depois que as pessoas são aprovadas em testes teóricos e práticos é que estão habilitadas". A constatação é de João Carmona, presidente da filial brasileira da Recall, multinacional australiana que atua com gerenciamento de informações. Ele fez um curso junto com o diretor de vendas, que também responde pelo relacionamento corporativo com o público. Uma das lições é que os jornalistas têm tempo limitado. "Por isso, quanto mais concisa e sintética for a informação, melhor para todos", diz Carmona. Ele faz um paralelo com a direção defensiva que se aprende nas autoescolas: "É importante estar preparado, pois ninguém planeja uma crise". A Recall Brasil pretende capacitar mais executivos nesse assunto em 2011.
"Nossa premissa básica é a de que todas as empresas e instituições públicas têm o dever de prestar contas à sociedade", explica Patrícia Marins, diretora da Oficina da Palavra, que realiza o chamado "media training". "Isso não deve ser visto como um favor, é competência. Notícia ruim não precisa de esforço para ser divulgada, mas notícia boa exige estratégia, visão e bom relacionamento". Patrícia afirma que os gestores de órgãos públicos começaram a perceber o impacto das ações de seus colaboradores na reputação institucional. Mais que o mero aprendizado de técnicas, a proposta é sensibilizar. "Noventa por cento dos participantes chegam ao curso achando que a imprensa é 'inimiga', mas terminam entendendo que, se quiserem ser porta-vozes confiáveis, precisam aprender o que é ser fonte", diz.
A Martin-Brower, empresa de logística que presta serviços para o McDonald's e outras redes de alimentação utiliza "media training" para capacitar seus executivos e gerentes. "No mínimo duas vezes por ano realizamos esses treinamentos de comunicação e também palestras para outros níveis de funcionários", diz a diretora de recursos humanos e comunicação corporativa, Regina Steinas. "Esse tipo de atividade contribui para o aprimoramento da carreira profissional e da gestão dos negócios". Regina acrescenta que a evolução dos participantes é visível e gratificante, mas é preciso ir mais longe: "Além de estar treinado para atender a imprensa e falar sobre o que se passa na empresa, é preciso estar por dentro dos negócios e do que vem acontecendo no nosso país e no mundo."
Com 150 mil sócios e 24 anos de atuação, a Fundação SOS Mata Atlântica é um exemplo de organização não governamental que profissionalizou o relacionamento com o público. Quinze de seus colaboradores, com cargos de direção e coordenação de programas e projetos participaram de treinamento para compreender como a imprensa funciona. "O investimento foi muito satisfatório", diz a diretora de gestão do conhecimento, Marcia Hirota. "A imprensa é uma importante aliada no nosso trabalho e o 'media training' ajudou a levar nossa mensagem de forma mais clara". Ela cita como exemplos a troca dos termos técnicos e siglas por palavras mais simples e a melhor compreensão sobre as necessidades de cada tipo de veículo. "Estamos realizando um treinamento de comunicação online."
A Associação Amigos do Projeto Guri (AAPG), que promove educação musical para 43 mil crianças e adolescentes em 305 municípios do estado de São Paulo, teve bons resultados no treinamento. "A primeira dificuldade superada foi a timidez em frente a câmeras de TV, mas o 'media training' trouxe a figura da lente amiga", diz o diretor administrativo-financeiro Carlos Henrique Freitas de Oliveira. Outro avanço foi a substituição do paradigma ganha-perde pelo ganha-ganha, baseado no diálogo benéfico tanto para o entrevistador quanto para o entrevistado. "O curso provoca o autoconhecimento da habilidade de relacionamento nas várias frentes da comunicação empresarial, fomentando a criatividade e gerando segurança", assinala. "É um investimento obrigatório para qualquer organização, independentemente de seu porte".
O primeiro órgão público no país a fazer uma licitação técnica para capacitar seus porta-vozes em relacionamento com a imprensa foi o Ministério Público da União. Entre 2008 e 2009, mais de mil procuradores da República de 25 estados foram treinados pela agência de comunicação Oficina da Palavra, vencedora da licitação. Os Ministérios Públicos Estaduais seguiram o mesmo caminho em Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. Em São Paulo, a Secretaria da Fazenda tem realizado treinamentos periódicos com gestores de diversas áreas. Órgãos como Tribunal de Contas da União, Ministério da Pesca e Aquicultura, Marinha do Brasil e Ministério da Defesa estão treinando seus principais porta-vozes.
Em 2010, 154 membros do Ministério Público de Goiás, entre promotores e procuradores de Justiça, participaram do treinamento para lidar com a imprensa, oferecido pela Escola Superior do Ministério Público de Goiás (ESMP-GO). Destes, 29 foram alunos-candidatos do curso de formação, etapa eliminatória do concurso de ingresso na carreira. "Tanto a imprensa como o Ministério Público exercem papel fundamental na consolidação do estado democrático de direito", diz a diretora da ESMP-GO, promotora de Justiça Alice de Almeida Freire. "Existe a expectativa de que o serviço público seja prestado com excelência e com atenção prioritária ao cidadão", afirma.
A capacitação envolve exercícios práticos sobre a forma adequada do uso da imagem, desinibição da fala e comportamento frente às câmeras entre outros. "Promovemos o conhecimento sobre a postura a ser adotada em cada situação, especialmente mediante a construção de mensagens-chave, que aprimoram a capacidade de síntese", explica a promotora. "Isso possibilita que a população receba as informações com maior clareza". Para 2011 estão previstas novas turmas de capacitação em "media training" no MP, além de um curso de gestão para servidores da área de comunicação.
O Estado do Espírito Santo também tem apostado na profissionalização do relacionamento com o público. Este ano foram realizados dois treinamentos simultâneos, ambos voltados para a relação com a imprensa: o "media training" e o curso de reciclagem de 71 assessores de comunicação. O primeiro abrangeu todas as secretarias, órgãos e autarquias da estrutura de governo, num total de 83 alunos. "Desse treinamento participaram servidores públicos em cargos de alta gestão como secretários, subsecretários e diretores, bem como ocupantes de cargos técnicos e de média gerência cuja atuação faz deles porta-vozes potenciais", explica a superintendente de Comunicação Social do Governo do Estado, Elizabeth Kfuri.
Na avaliação dela, o curso foi de grande valor não só para o aprimoramento das técnicas de oratória e discurso, como para a orientação sobre a rotina de uma redação, cujos prazos e prioridades exigem agilidade no tempo de resposta. Outro aspecto de destaque foi a ênfase no cultivo de uma relação cordial e transparente com a imprensa. "A reafirmação desse vínculo e da confiança necessária a essa relação é potencialmente o maior ganho da iniciativa".
Como dar uma boa entrevista
Entenda que o tempo da imprensa é diferente do seu. Jornalistas têm prazos apertados. Evite marcar entrevistas no final da tarde, horário em que as editorias de jornais costumam fechar suas páginas.
Responda apenas o que lhe foi perguntado. Seja objetivo e fale naturalmente. Evite informações desnecessárias ou divagações. Nunca fale ditando o texto, a não ser que isso seja solicitado.
Fale com tranquilidade.
Frases curtas e completas são as melhores. Falando pausadamente você facilita a compreensão e a edição, especialmente para rádio e televisão.
Explique os termos técnicos ou específicos de sua área. O repórter não é um especialista. Relacione o assunto com a realidade. Dê exemplos, faça comparações.
Prepare-se antes. Tenha em mãos os dados que darão suporte à informação do tema da entrevista. Ofereça material de apoio, preparado pela assessoria de imprensa. Evite ser evasivo. Se não souber, diga. Se tiver dúvidas, admita.
Fale apenas o que pode ser divulgado. Se por política, estratégia ou segurança, algumas coisas não devam ser ditas, não as diga. Só utilize o off (o jornalista publicará as suas informações, sem revelar a fonte) quando necessário.
Nunca peça para ler as anotações do repórter, ouvir a gravação ou ler a matéria antes da publicação.
Mesmo porque, se você estiver diante de um bom profissional, os seus pedidos serão em vão. Esses comportamentos denotam falta de confiança.
Só acaba quando termina.
Não é você quem define quando acaba a entrevista. Tenha paciência, espere que o assunto se esgote e o repórter demonstre que está satisfeito.
Nunca tente evitar a publicação de uma notícia. É um erro que sempre provoca o efeito contrário. O melhor é tentar argumentar com dados e informações que derrubem a pauta ou atenuem a edição.
Se for marcado um horário, não deixe o jornalista esperando. Os repórteres cobrem vários assuntos no mesmo dia e têm prazos a cumprir.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2632.
Editoria: Eu & Carreira.
Página: D12.
Jornalista: Dauro Veras.