Em mais uma indicação do que deverá fazer sua sucessora, Dilma Rousseff, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que a presidente eleita terá de fazer cortes no Orçamento a depender do que seja aprovado no Congresso Nacional.
"Normalmente, os deputados querem mais verba do que aquilo que o governo previu. Muitas vezes nós atendemos. Mas como a realidade e a prática é diferente da teoria, quando chegar um determinado mês do ano, a presidente Dilma vai ter que fazer corte no Orçamento, ela vai ter que contingenciar, se não for real o aprovado com o arrecadado", afirmou o presidente, em entrevista após visitar as obras de construção de um trecho do canal de transposição do rio São Francisco, na Paraíba.
Lula voltou a negar que o ministério até aqui oficializado por Dilma Rousseff seja reflexo de seu governo. "A Dilma se reuniu mais com o Guido Mantega, com o Paulo Bernardo, com a Miriam Belchior do que eu. Porque na Casa Civil os projetos se reuniam três ou quatro vezes antes de chegar na minha mão", disse.
A tumultuada entrevista de Lula foi concedida após uma série de quebras de protocolos. A 16 dias de passar a faixa presidencial para Dilma, o cerimonial de Lula havia programado apenas uma visita a um túnel por onde passará a água da transposição – o maior da América Latina, com 15 km de extensão.
Não estavam previstas nem entrevista à imprensa, nem discurso. No entanto, após tirar fotos com dezenas de operários presentes no canteiro de obras, Lula decidiu discursar. Minutos antes, parte da imprensa presente fez um protesto contra o fato de não ter acesso ao local onde Lula discursaria.
Mais tarde, em Salgueiro (PE), Lula disse que governou o Brasil "como se fosse uma mãe", sem distinguir o partido político de governadores nos repasses e investimentos do governo federal nos Estados. "Eu governo como se fosse uma mãe. Não tem nada mais socialista do que uma mãe. Uma mãe pode ter dez filhos. Ela pode ter um mais bonitinho, um mais feinho, mas uma mãe gosta de todos em igualdade de condições."
Em tom de despedida, ele disse que não vai "se esconder" depois que sair da Presidência e continuará andando pelo país "levantando problemas" e "acumulando conhecimento".
As declarações foram feitas durante entrega em títulos de cessão de uso de casas em vilas produtivas. As casas são destinadas a donos de áreas desapropriadas por causa da transposição do rio São Francisco.
"Ora, se quando eu perdia [as eleições presidenciais em 1989, 1994 e 1998] eu não me escondia, por que eu vou me esconder agora que eu ganhei?", afirmou.
Ele disse ainda que deixa o governo com a consciência "tranquila, alegre e feliz" porque "não teve nenhum momento do meu mandato que eu tive medo com conversar com qualquer cidadão brasileiro".
Lula aproveitou para criticar a oposição ao dizer que "a elite que governou este país conhecia teoricamente este país, mas não conhecia na prática a alma desse povo".
Em seu discurso, de quase 15 minutos, Lula afirmou que deve ir a Fortaleza para lançar a pedra fundamental de uma refinaria para deixar os "coronéis cearenses mais nervosos". Na segunda-feira, em Missão Velha (CE), ele agradeceu à plateia por não ter reeleito o senador e desafeto Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Durante o evento, ao lado do governador reeleito de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), Lula abraçou, beijou, posou para fotos e entregou pessoalmente mais de 90 títulos aos novos moradores ao longo de 50 minutos.
O presidente ainda cantou parabéns para a filha de um deles e brincou com o cortador de granito Vicente Amâncio de Souza, 67, que também não tem um dos dedos da mão, como ele. Lula recebeu de presente de uma moradora um vaso de cerâmica com "toda a saudade que vai deixar" para a população de Pernambuco.
Em Salgueiro, Lula sobrevoou as obras da ferrovia Transnordestina e da transposição do rio São Francisco. Em seguida, ele participou do anúncio de implantação da nova fábrica da Fiat em Pernambuco.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2654.
Editoria: Política.
Página: A10.