As marcas do Rio do Testo

Em duas horas, a chuva esperada para março inteiro (144 milímetros) colocou Pomerode a viver um pesadelo. Na madrugada de sexta-feira, moradores acordaram surpreendidos com a água que invadia casas, lojas e indústrias. Toda a cidade foi atingida, mas a região central é que apresentou maiores danos com o transbordamento do Rio do Testo. A Defesa Civil contabilizou 8,1 mil pessoas prejudicadas, 730 desalojadas e 455 residências danificadas. Quatro escolas registraram alagamentos e 40 pontes e pontilhões receberam vistoria preventiva. Três alojamentos estão disponíveis para famílias que não têm para onde ir. O município decretou situação de emergência.

O meteorologista Dirceu Severo, do Centro de Operação do Sistema de Alerta da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí-Açu (Ceops), explica que um vórtice ciclônico – fenômeno similar a uma frente fria – foi responsável pela ocorrência em parte do Médio Vale. Além de Pomerode, Rio dos Cedros, Timbó, Ilhota e o Distrito da Vila Itoupava, em Blumenau, registraram alagamentos.

– Coincidiu que uma grande quantidade de água caiu próximo às cabeceiras dos rios, o que causou os alagamentos. Esta situação é comum no verão – explica Severo.

Em Rio dos Cedros, a previsão de chuva era de 6mm, mas a prefeitura decretou calamidade pública depois de sofrer com 140mm de água durante a noite. As regiões mais afetadas foram as que ficam no limite com Pomerode e Jaraguá do Sul. Até sexta-feira à noite, o município tinha 55 famílias afetadas e 20 pessoas desalojadas. Não houve registro de desabrigados. A situação ficou mais crítica porque em janeiro a cidade esteve em situação de emergência com outro temporal e mal havia se recuperado dos estragos.

Vila Itoupava teve duas vezes mais chuva do que o registrado no Centro

A Vila Itoupava, em Blumenau, recebeu quantidade de chuva desproporcional aos outros bairros. Sobre o distrito, no extremo Norte do município, caiu 108.5 mm em 10 horas, contra 52 mm no Centro. De acordo com o Ceops, a média esperada para toda a cidade no mês é de 153.7 mm. A Defesa Civil apontou que 12.736 pessoas foram afetadas pela chuva de quinta-feira, 1.720 ficaram desalojadas, duas feridas e 430 residências danificadas. Os dados sobre os prejuízos em pontes e ruas será entregue somente segunda-feira, mas levantamento preliminar aponta 50 ruas alagadas e 10 pontes danificadas.

Em Ilhota, os bairros Centro, Vila Nova, Barranco Alto, Pedra de Amoral, Ilhotinha, Margem Esquerda, Baú Baixo, Baú Central, Braço do Baú, Alto Braço e Alto Baú foram atingidos por temporais localizados, que chegaram a 110 mm. Há 100 desalojados e 3.840 atingidos.

O cachorro que vagava pela Rua Paulo Zimmermann, no Centro de Pomerode, chorava, quebrando o silêncio da madrugada. As pessoas que abandonavam as casas tomadas pela água tinham os olhares assustados de quem foi pego de surpresa pela cidade que acordou, sexta-feira, transformada em um enorme Rio do Testo. As duas horas de 144 milímetros de chuva na noite de quinta-feira, entre as 18h e 20h, provocaram transbordamento e deixaram marcas.

– Quando olhei para fora, foi uma enorme tristeza. Meu jardim estava debaixo d'água – lamentou de madrugada a aposentada Maria Pereira Rainert, 81 anos, esperando a água baixar para contabilizar o prejuízo.

Enquanto isso, Norberto Schaly e o filho Adriano estavam na garagem de casa, em cima dos carros, torcendo para que o alagamento baixasse. Os dois passaram a noite levantando eletrodomésticos e móveis, mas depois que o Rio do Testo transbordou, a única opção foi esperar. Ficaram lá até sexta-feira, 2h, quando a irmã de Adriano chegou com o bote do Corpo de Bombeiros e atravessou o alagamento da Rua Hermann Weege.

O trabalho pesado também ocupou o tradicional ponto de festas e jogos germânicos. No Salão Pomerode, 12 pessoas ficaram ilhadas no segundo andar porque a água avançou muito rápido.

– A secretaria ficou totalmente danificada, a copa também teve prejuízos e o nosso salão está todo sujo de barro – contou o presidente Siegfried Hornburg, com a voz embargada pelas lágrimas.

Na casa de Alcione Sardanha, na Rua Lorenz Engels, Bairro Testo Central Alto, parentes ajudavam a retirar a lama. Usavam água de uma nascente porque o abastecimento estava comprometido. Também não havia energia elétrica. Por causa da enxurrada, os vizinhos só puderam voltar para as casas às 7h de sexta-feira, quando a água começou a baixar. Na calçada, havia uma montanha de móveis que não puderam ser salvos. Na varanda, a cunhada limpava a geladeira.

– Não temos nem roupas limpas para vestir – lamentou.

– Moro aqui há 19 anos e nunca tinha visto nada parecido. Alagava, mas era pouca coisa. Desta vez, passou de 1,6 metro – contou a vizinha Petrônia Jettke, 73 anos.

Na Escola de Ensino Fundamental Testo Central Alto, sexta-feira, em vez de material didático, professores e alunos levaram material de limpeza para ajudar a tirar a lama trazida pela enxurrada. Na cozinha, alimentos para o preparo da merenda terão que ser jogados fora, assim como livros e brinquedos. Cadeiras que estavam guardadas para mobiliar um auditório também foram atingidas. A secretaria, onde havia documentos e o computador com os dados dos 163 alunos, foi uma das áreas mais danificadas.

– Quando chegamos aqui, os móveis estavam virados. Não sei se limpamos os documentos que estavam no arquivo e colocamos para secar ou se deixamos tudo do jeito que está – desolou-se a diretora, Ana Sueli Borges, com as mãos e pés sujos de lama.

Chuva atinge bombeiros e polícia, que suspende atendimento

Na sede dos Bombeiros Voluntários, o chefe de socorro Márcio Schubert enumerava os estragos da madrugada:

– Tivemos problemas com uma ambulância e um dos nossos caminhões. Além disso, o material didático usado pela equipe, computadores e materiais foram perdidos.

O telefone de emergência também ficou fora do ar. Quem fosse até a Delegacia de Polícia Civil, não encontraria situação melhor. O prédio acumulou 1,5 metro de água barrenta. Perderam-se equipamentos de informática, documentos, móveis. Três viaturas ficaram submersas. Sexta-feira, o delegado regional Rodrigo Marchetti lamentava as perdas:

– Perdeu-se quase tudo. As viaturas, por exemplo, não vamos conseguir salvar, ficaram submersas.

Funcionários passaram o dia retirando a lama. A delegacia ficará fechada até que a Polícia Civil consiga restabelecer os trabalhos. Enquanto não reabre, pelo menos com serviços como registro de boletins de ocorrência, a orientação é para que se procure atendimento em Timbó.

PLANTÃO

– A Defesa Civil trabalhará sábado e domingo para atender comunidades afetadas pela chuva. Em Blumenau, sábado começam as obras de construção de pontilhões provisórios e definitivos na Vila Itoupava

– O nível do Rio Itajaí-Açu está em 4,41m – transborda com 8m – e as barragens do Alto Vale operam dentro da normalidade

– Emergência, ligue para 199

Veículo: Jornal de Santa Catarina.
Edição: 12163.
Editoria: Geral.
Página: 16.
Jornalistas: Ânderson Silva (anderson.silva@santa.com.br), Priscila Sell (priscila.sell@santa.com.br), Tatiana Santos (tatiana.santos@santa.com.br), Raquel Vieira (raquel.vieira@santa.com.br), Giovana Pietrzacka (giovana@santa.com.br).