As discussões a respeito do retorno da CPMF podem estar voltando para a gaveta. Um dos maiores interessados em potencial nessa receita, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que a CPMF não é uma prioridade na sua agenda. Em entrevista exclusiva ao Valor, Padilha foi enfático ao eleger como foco a melhoria da gestão da saúde. A prioridade de Ministério é "fazer mais com o que temos", afirmou o ministro.
Dessa forma, Padilha alinha-se com a posição da chefe de Estado, a presidente Dilma Rousseff, que disse no início de março ser possível "que se resolva muita coisa com o dinheiro que se tem"; e que a discussão a respeito da CPMF "está feita de forma errada: antes de saber se é necessária ou não, é preciso identificar para que vai servir".
A pasta da Saúde é, de longe, dona do maior orçamento dentro do governo. Não escapou dos cortes recentemente anunciados, embora a redução de despesas tenha sido apenas marginal no seu caso. Após a revisão da programação orçamentaria deste ano, que implicou o corte total de R$ 53,5 bilhões, a Saúde teve as despesas reduzidas em 0,9% para R$ 63,1 bilhões.
O orçamento da saúde é bastante superior ao do segundo colocado, a Educação, de R$ 28 bilhões, após o corte de 11,1%, que é seguido pela pasta das Cidades, cujas despesas foram reduzidas em 40,6% para R$ 21,1 bilhões; e pela de Transportes, que teve economia de 13% para R$ 18,4 bilhões.
A ênfase na saúde não poderia ser diferente em um país com população de 190 milhões e uma péssima distribuição de renda. O SUS é o sistema público de saúde que mais faz hemodiálises e transplantes do mundo e gasta apenas R$ 660 per capita, dos quais só a União contribui com R$ 304 e o restante é despendido por Estados e municípios. Inglaterra e Canadá gastam seis vezes mais.
Estima-se que pelo menos 150 milhões de brasileiros dependam exclusivamente do Sistema Unificado de Saúde (SUS) e que o sistema de saúde suplementar atenda o restante da população.
Ainda assim é comum a pessoa que tem um plano privado de saúde recorrer ao SUS em casos de emergência. Nem por isso os planos de saúde privados reembolsam o SUS pelas despesas e isso é uma fonte de litígio no sistema de saúde. Estima-se que 10% a 15% dos portadores de planos privados usem o SUS que, por esse motivo, teria direito a receber de R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão por ano dos planos privados, o que compensaria com folga o corte orçamentário sofrido neste ano. E isso sim está no topo da agenda de Padilha.
Não se pode considerar, porém, que a posição de Dilma e Padilha signifique uma pá de cal sobre a CPMF, que foi extinta pelo Congresso em 2007. O Executivo pode estar querendo evitar o desgaste perante a opinião pública de defender a criação de um novo imposto e empurrar esse ônus político para outras autoridades, como os Estados e municípios, que vêm sofrendo mais dificuldade de bancar os gastos com saúde. Não se pode esquecer também que, no início de fevereiro, a bancada do Partido dos Trabalhadores concluiu que era necessário criar outra fonte de financiamento da saúde na forma da Contribuição Social para a Saúde (CSS).
Fica, no entanto, difícil defender essa posição diante dos bons resultados da arrecadação. No ano passado, a arrecadação cresceu 9,85% em termos reais e somou R$ 826,1 bilhões em valores corrigidos pelo IPCA (R$ 805 bilhões, sem correção). Praticamente todos os tributos estão com receita em expansão, como resultado da recuperação da economia, com exceção do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que foram prejudicados em 2010 ainda por efeito dos balanços ruins de 2009, que justificaram compensações. Mas neste ano isso não deve voltar a acontecer e a previsão é de um crescimento nominal de mais 10% da arrecadação federal para R$ 885 bilhões.
A CPMF nasceu em 1993, quando ainda se chamava IPMF e a área da saúde enfrentava realmente problemas de financiamento por causa da transferência das contribuições dos trabalhadores e empresas para a Previdência. Depois de algumas interrupções, ressurgiu, em 1996, como CPMF e fonte de recursos para saúde (0,20%), previdência (0,10%) e para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (0,08%). No seu último ano de vigência, em 2007, arrecadou cerca de R$ 35 bilhões.
Mas nem todo o dinheiro estava indo para a saúde. Nos últimos anos antes de acabar, em média 20% dos recursos arrecadados acabaram ficando no caixa do Tesouro e ajudaram a fechar as metas fiscais. Em 2006, o superávit primário chegou a 4,32% do Produto Interno Bruto (PIB), acima da meta de 4,25%.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2717.
Coluna: Editorial.
Página: A14.