Escolas do Estado têm que melhorar muito

Um estudo inédito no Brasil, realizado em Santa Catarina por uma organização internacional, apontou as principais deficiências do ensino no Estado. Os problemas estão por todos os lados: alunos mal avaliados, professores trabalhando muito e ganhando pouco, infraestrutura precária na bibliotecas e falta de acessibilidade para alunos portadores de deficiência. O levantamento custou 135 mil euros (R$ 317,2 mil) aos cofres do governo do Estado, que admite: não há prazo para que as melhorias sejam feitas.

Os 10 especialistas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) visitaram escolas, universidades e ONGs. Conversaram com professores, diretores, alunos e especialistas. Ficaram um ano debruçados sobre os dados. O resultado foi um relatório de 373 páginas, centenas de recomendações.

Mas a sociedade verá algum retorno deste investimento? O diretor-geral da Secretaria de Estado da Educação (SED), Eduardo Deschamps, garante que sim, apesar de não dar prazos. Algumas devem aparecer nos próximos anos, outras demoram mais.

– As questões de infraestrutura são mais simples de serem resolvidas. Já as que pedem mudança na lei e as qualitativas, que resultam nas melhorias de índices, levam mais tempo.

Ele conta que o relatório já está orientando o planejamento de ações da secretaria. Além disso, será criado o Plano Estadual de Educação.

O ex-diretor da Educação Básica da SED, que acompanhou os especialistas, Antônio Pazeto, diz que as mudanças profundas podem ser feitas desde que haja coragem.

– As mudanças pedem uma ruptura. Por muitos anos, só se fez uma reforma, mas era preciso mudar.

O Diário Catarinense levantou alguns pontos do relatório e questionou o diretor-geral da secretaria sobre o que será feito a respeito. Veja as respostas abaixo.

Avaliação dos estudantes

O QUE DIZ O RELATÓRIO

Questiona o modelo de notas dadas aos alunos, que é numérico. Como não existe uma descrição do que essa nota representa, ou que indique o nível de conhecimento do aluno, ela não fornece um retrato do que o estudante consegue fazer com aquele conteúdo. A organização considerou as notas subjetivas e arbitrárias. Isso pode explicar as diferenças no desempenho dos estudantes em sala de aula e nas avaliações nacionais, como Prova Brasil, feita no final do quinto e nono ano do fundamental. A OCDE considerou o desempenho do Estado insatisfatório e que precisa melhorar.

ALGUMAS RECOMENDAÇÕES

– As avaliações nacionais, como Prova Brasil e Pisa, dão informações úteis sobre a qualidade de ensino. Mas o resultado não chega a professores e alunos. Não existe um feedback. A SED deveria garantir que as estatísticas nacionais sejam analisadas e comunicadas de maneira útil para escolas e educadores.

– Os professores dão notas numéricas para os alunos, que não sabem direito o que elas representam concretamente. A Secretaria de Educação deve listar diretrizes claras para que docentes e diretores consigam avaliar o quanto um aluno aprendeu e se tem condições de passar de ano.

O QUE DIZ O GOVERNO DO ESTADO

Será criado o Sistema de Avaliação Institucional, que vai avaliar os resultados de provas nacionais. Para cada uma, será feito um seminário, para apresentar o desempenho às escolas. Em relação às notas, o diretor acredita que é necessária uma avaliação pedagógica. Para ele, cabe ao professor chamar o aluno para uma conversa e explicar por que ele recebeu aquela nota. Ele garante que isso e outros aspectos da relação professor-aluno serão passadas para os docentes em capacitação e formação continuada.

 

Acessibilidade nas escolas

O QUE DIZ O RELATÓRIO

Apesar de o Estado abrir as portas das escolas da rede para crianças com deficiência, poucas frequentam um colégio convencional. SC não tem levantamento de quantos são os estudantes com deficiência, por isso muitos são "invisíveis" para o sistema, não frequentam escolas ou abandonam os estudos antes do tempo. Em 2009, foram investidos 3,4% do orçamento em educação especial, considerado baixo pela OCDE. A entidade ainda constatou que as Apaes acabam sendo os únicos lugares que pais, escolas e autoridades conseguem recorrer para atender essas crianças.

ALGUMAS RECOMENDAÇÕES

– Garantir que crianças com deficiência tenham acesso à educação. A maior parte desse trabalho fica por conta da Fundação Catarinense de Educação Especial, Apaes e ONGs.

– Melhorar o levantamento de dados sobre crianças com necessidades especiais.

– Investigar até que ponto os estudantes com deficiência são prejudicados pela acessibilidade da escola: transporte, condições de acesso à entrada e no interior e instalações nos banheiros. Também é preciso observar o material didático, a presença de um assistente e o tamanho das salas.

O QUE DIZ O GOVERNO DO ESTADO

O diretor-geral da Secretaria de Estado da Educação garante que acessibilidade nas escolas faz parte do planejamento estratégico. Está prevista uma articulação melhor com as entidades que cuidam de crianças especiais, para que todas possam frequentar um colégio. Fazer adaptações físicas também está nos planos, além de oferecer um atendimento melhor. Para ter dados mais precisos, não só de pessoas com necessidades especiais, uma assessoria de análise e estatística, dentro da SED, está sendo criada.

 

Valorização dos professores

O QUE DIZ O RELATÓRIO

Para a OCDE, os professores são peças-chaves para melhorar a qualidade de ensino, e por isso deveriam ter posição de destaque. Os técnicos constataram que a profissão está em declínio e a imagem é negativa. Eles acreditam que o sistema de turnos e o excesso de alunos prejudicam o tempo do professor para preparar as aulas. Muitos educadores precisam trabalhar até 60 horas por semana, o que acarreta estresse. Outro ponto negativo foi em relação aos professores temporários, que não se dedicam como deveriam a uma escola, porque não têm estabilidade de emprego.

ALGUMAS RECOMENDAÇÕES

– Melhorar a imagem do professor. Hoje, além de não atrair interessados qualificados, não proporciona satisfação.

– A carga de trabalho é muito pesada e deve ser reduzida.

– Tem que ter aumento de salário (o salário-base é de R$ 609, somado a essa quantia está a regência de classe e prêmio Educar, o que chega aos R$ 1.024, antigo piso salarial. Em fevereiro, ele foi reajustado pelo MEC e está em R$ 1.187).

– O método de nomeação e indicação de diretores de colégios tem que ser reformulado.

O QUE DIZ O GOVERNO DO ESTADO

Foram formadas comissões da secretaria e do sindicato para debater o aumento do piso salarial. A carga horária está sendo revista. São questões mais complexas, porque esbarram no orçamento do Estado. Outro aspecto que passa pelo orçamento é fazer concursos para diminuir a quantidade de ACTs. Com a municipalização do ensino fundamental, prevista para acontecer nesta gestão, também será reduzido o número de ACTs. Quanto à nomeação de diretores, eles estão estudando como o processo é feito em outros estados.

 

Disciplinas e livros

O QUE DIZ O RELATÓRIO

Existem oito matérias obrigatórias para o ensino fundamental e 12 para o ensino médio. Não há disciplinas optativas, exceto para o ensino religioso. Para a OCDE, há uma discordância entre conteúdo oferecido e o tempo disponível para aprender. A entidade considerou o currículo rígido, sem permitir flexibilidade de horários, necessária para uma educação mais inclusiva. As matérias são vistas como isoladas e não há interdisciplinaridade. Sobre os livros utilizados em sala de aula e distribuídos pelo MEC, é preciso oferecer também mapas, dicionários, livros de literatura.

ALGUMAS RECOMENDAÇÕES

– A discordância entre número de matérias obrigatórias e o tempo disponível para a aprendizagem precisa ser resolvida. Uma nova abordagem pedagógica é necessária. Aumentar o tempo das aulas ou reduzir o conteúdo curricular.

– Investir nas bibliotecas, já que muitas escolas, principalmente as de regiões mais pobres e de zona rural, oferecem apenas os livros adotados em sala de aula. Elas precisam ter bons dicionários, atlas e enciclopédias.

– Comprar livros de leitura e histórias para anos iniciais do ensino fundamental.

O QUE DIZ O GOVERNO DO ESTADO

Todas as bibliotecas das escolas públicas de Santa Catarina serão reorganizadas, não só com a compra de livros, mas com a contratação de bibliotecários. Para Deschamps, bibliotecas sem profissionais acabam sendo somente depósitos de livros.

Quanto ao currículo, não foi falado em diminuir as disciplinas. O diretor disse apenas que será feito um trabalho interdisciplinar maior, para que um assunto seja abordado em conjunto por várias matérias e possa ser incorporado no cotidiano dos estudantes.

A OCDE e o relatório

– A organização, com sede em Paris, é formada por 34 países, que coordenam políticas econômicas e sociais. 

– Para fazer a avaliação do setor no Estado, foram chamados técnicos de países como Canadá, Suíça, Coreia do Sul, Áustria e Irlanda.


– Por uma semana eles estiveram em SC, no segundo semestre de 2009, visitando 34 cidades e mais de cem instituições. 

– O trabalho é inédito no Brasil e comum em outros países. Chile e nações do Oriente Médio, por exemplo, já recorreram à entidade, para terem o mesmo relatório.

Veículo: Jornal Diário Catarinense.
Edição: 9122.
Editoria: Reportagem Especial.
Página: 4.
Jornalista: Júlia Antunes Lorenço (julia.antunes@diario.com.br).