Maior interessado em evitar as perdas do Rio de Janeiro a partir de uma nova divisão dos royalties do petróleo com o restante do país, o governador Sérgio Cabral Filho garantiu um aliado no estratégico cargo de relator do projeto de lei que fixa o critério de distribuição da receita arrecadada com a exploração do pré-sal pelos contratos de partilha de produção – modelo que substituirá o atual, de concessão.
O escolhido é Fernando Jordão (PMDB-RJ), que foi por oito anos prefeito de Angra dos Reis, um dos municípios beneficiados com os royalties do petróleo. Ele foi designado na quarta-feira pelo presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara, Luiz Fernando Faria (PP-MG), relator do projeto – enviado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Câmara em 31 de dezembro de 2010, último dia do mandato.
"Vamos tentar viabilizar uma proposta que seja boa para todo o Brasil, sem prejudicar os produtores de petróleo", afirmou Jordão, que chama Cabral de "nosso líder".
Ele disse que ainda não analisou a proposta e pretende conversar com representantes de todos os Estados envolvidos – Cabral será o primeiro -, mas antecipa a opinião de que a União pode ceder parte de sua participação nos royalties, para aumentar os ganhos dos Estados não produtores. "A regra aprovada no Congresso quebra o Rio de Janeiro e os municípios produtores. Os outros Estados não querem quebrar o Rio. Querem uma parcela também. Pode sair da União", disse.
O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), que assumiu como sua a sugestão do nome de Jordão, disse que a escolha de um representante do Rio "vai forçar" uma boa negociação entre os Estados produtores e não produtores. "O Rio sabe que gerar impasse não é bom para ninguém. Perdeu na discussão desse tema no ano passado e não vai querer perder de novo. Sabe que agora precisa negociar", afirmou.
Alves referiu-se à aprovação no Congresso de uma regra de distribuição dos royalties do petróleo acabando com o tratamento diferenciado recebido hoje pelos Estados produtores. Vetada por Lula, a emenda estabelecia que toda a receita de royalties proveniente da exploração do petróleo no mar (mesmo dos campos já explorados, inclusive fora do pré-sal) fosse distribuída pelas unidades da federação por meio dos critérios dos fundos de participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM).
A aprovação da proposta levou o governador a chorar em público. Cabral participou pessoalmente das negociações e considerou a iniciativa "desrespeito" e "roubo" ao Rio.
Ex-relator do projeto do marco regulatório do pré-sal, Alves também defende que a União ceda parte de seus recursos de royalties, para aumentar a fatia dos Estados não produtores. Segundo ele, a nova regra deve preservar os contratos assinados e os recursos já recebidos pelos Estados produtores.
"Os Estados produtores estão no seu direito. A União pode ser mais generosa, até porque quanto mais os Estados e municípios ganharem, menos pedintes eles serão", disse o líder pemedebista.
Pela regra fixada no projeto de Lula, a ser relatado por Jordão, os royalties do petróleo do pré-sal a ser explorado pelo modelo de partilha serão assim distribuídos: 25% para Estados produtores, 6% para municípios produtores, 3% para municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque, 19% para a União (destinados ao fundo social), 3% para ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e os 44% restantes entre todos os entes da federação (22% para Estados e 22% para municípios).
Esse critério resultou de acordo entre Lula e governadores. Foi encampado por Alves em seu relatório. Mas o plenário derrubou o artigo e aprovou em seu lugar a chamada "Emenda Ibsen", do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e outros, que dava tratamento igualitário para todos os Estados. O governo federal foi contra, considerando inconstitucional e com risco de quebrar os Estados produtores.
Pela atual legislação, que trata apenas da divisão dos royalties arrecadados no modelo de concessão, Estados e municípios produtores ou confrontantes (cujo litoral fica de frente para os campos) e União ficam com a maioria absoluta dos recursos (40% com União, 22,5% com Estados produtores e 30% com municípios produtores). Apenas 7,5% do total são repartidos entre todos os Estados do país. Em 2009, a arrecadação com royalties foi de cerca de R$ 7,9 bilhões, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O tratamento diferenciado tem como base o parágrafo 1º do artigo 20 da Constituição, que assegura aos Estados e municípios, além da União, "participação" no resultado da exploração de petróleo ou gás natural "no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração".
Representantes de Estados que não produzem petróleo dizem que o pré-sal não pode beneficiar apenas Estados hoje considerados produtores (principalmente Rio e Espírito Santo), já que os poços são localizados a centenas de quilômetros da costa.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2727.
Editoria: Política.
Página: a6.
Jornalista: Raquel Ulhôa, de Brasília.