A proposta para o Plano Plurianual 2012/2015, que começou a ser apresentada ontem a todos os ministérios, prevê uma redução expressiva do número de programas executados pelo governo federal, que passarão dos atuais 360 para cerca de 60. Em entrevista ao Valor, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse que essa redução facilitará o monitoramento e a avaliação sobre a efetividade das políticas públicas. "Do nosso ponto de vista, não é possível monitorar e muito menos ser efetivo com 360 programas", disse.
Dentro da nova concepção, o PPA terá programas temáticos, mais gerais, que abrangerão todos os aspectos de um problema ou situação que o governo deseja resolver. Os programas temáticos vão retratar a agenda de governo. Cada um deles terá uma contextualização, com uma interpretação completa e objetiva da temática tratada, as oportunidades e os desafios associados e as transformações que se deseja realizar.
Cada programa temático terá indicadores e valor global para os quatro anos do PPA e definirá também objetivos a serem alcançados e as iniciativas a serem adotadas. Atualmente, os programas do governo são elaborados para resolver um problema específico e as avaliações são feitas com base na execução realizada. O governo quer agora avaliar os programas pelos resultados obtidos.
O objetivo de cada programa expressará o que deve ser feito, refletindo as situações a serem alteradas pela implementação de um conjunto de iniciativas. Cada iniciativa informará as entregas de bens e serviços à sociedade.
A área de saúde, por exemplo, que possui atualmente 13 programas, terá provavelmente apenas um grande programa temático, com o nome de "Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde". Mas esse grande "guarda-chuva" abrigará 13 objetivos e numerosas iniciativas. "O que nós vamos fazer é justamente esse agrupamento, que permita discutir a coerência e a suficiência das políticas", explicou Miriam. "Se a gente não faz isso, se a gente trabalha no disperso, não é possível focar os recursos naquilo que tem maior potencial de efetividade para enfrentar situações que queremos resolver."
Um exemplo pode dar uma ideia da nova concepção do PPA e do novo tipo de monitoramento e avaliação que o governo deseja a partir de agora. Um dos objetivos do programa temático "Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde" é a implantação de atenção básica nos municípios. O governo considera que o produto a ser entregue à população não pode ser avaliado pelo número de postos de saúde construídos ou pelo número de ambulâncias compradas, mas pela rede de saúde e atenção básica implantada, que implica um conjunto de outras ações, como a capacitação de pessoal e edição de normativos.
Dentro da nova filosofia de aprimorar a gestão pública, a presidente Dilma Rousseff deverá assinar, na próxima semana, o decreto criando a Câmara de Gestão Governamental. Coordenado pelo empresário Jorge Gerdau, o grupo apresentará ao Executivo federal sugestões para melhorar os gastos públicos e tornar a máquina federal mais eficiente.
Essa parceria já teve início no Ministério da Saúde – mais especificamente na Funasa – e no Ministério da Justiça. "O dr. Gerdau tem um enorme respeito do governo, a presidente Dilma tem uma relação pessoal antiga com ele. Ele será um interlocutor privilegiado do governo nessa área", disse a ministra.
Miriam afirmou que o governo encontrará uma solução para os restos a pagar de 2007, 2008 e 2009 e defendeu as obras do PAC, alvo de greves nos últimos dias. "Estamos vivenciando o preço do sucesso. Todo mundo está reaprendendo a fazer obras de infraestrutura – nós do setor público e também o setor privado".
Valor: Quais as razões que levaram o governo a promover mudanças no Plano Plurianual?
Miriam Belchior: Em primeiro lugar, o Brasil é outro e, portanto, os nossos desafios também são outros. Precisamos, do ponto de vista da gestão, adaptar o governo, e o setor privado também precisa se adaptar a essa nova situação do país. No caso do PPA, trata-se de aperfeiçoar o nosso sistema de planejamento. Nos oito anos de governo Lula conseguimos sintonizar melhor o PPA com os compromissos de governo. Isso permanecerá, ou seja, o PPA cada vez mais representará os compromissos do presidente. A participação da sociedade, que começou em 2003, também será mantida, não apenas na elaboração do PPA, mas também em seu monitoramento. Precisamos de instrumentos para entregar os compromissos da presidenta Dilma, fazer com que aquilo que foi defendido por ela na campanha eleitoral de fato se realize.
"Os efeitos do pacote fiscal lançado pelo governo no início do ano já estão se realizando"
Valor: O que estava faltando no modelo anterior?
Miriam: A questão do monitoramento não estava no mesmo patamar do resto. A base da reformulação é que o PPA seja, de fato, um instrumento de gestão. De gestão mais global de governo, mas também de gestão para os ministérios. Pois se ele não for um instrumento de gestão, os ministérios não vão levá-lo a sério.
Valor: Por que o governo resolveu adotar programas temáticos?
Miriam: Não é possível monitorar e muito menos ser efetivo com 360 programas, que atualmente estão no PPA. E eles não são programas de mesma hierarquia. Temos programas que poderiam estar agrupados. Se a gente não faz isso, se a gente trabalha no disperso, não é possível focar os recursos naquilo que tem maior potencial de efetividade para enfrentar situações que queremos resolver. E, fundamentalmente, o PPA precisa ser um instrumento que seja capaz de planejar o que queremos fazer, orientar com clareza o Orçamento, que o Orçamento de fato converse com ele, e que permita um sistema de monitoramento mais efetivo.
Valor: Qual é a lógica do novo modelo?
Miriam: Se eu fosse simplificar o que estamos fazendo, eu diria que, na verdade, o que nós estamos criando é uma camada superior de agrupamento desses programas. O uso do programa temático vai permitir a junção dos diversos programas sob o mesmo guarda-chuva.
Valor: O programa não fica muito genérico, abrangente demais?
Miriam: A nossa lista de saída prevê 60 programas temáticos. Eu acredito que não será genérico, pois logo depois teremos o desdobramento de objetivos e iniciativas. Os 360 programas atualmente existentes estarão, dependendo de sua complexidade, como objetivo ou como iniciativa, debaixo desse grande guarda-chuva que são os temas centrais.
Valor: O Congresso terá de aprovar a nova proposta de PPA. A sra. espera resistência?
Miriam: Vamos apresentar os argumentos que estão nos levando a fazer os aperfeiçoamentos dos instrumentos. A equipe técnica do Congresso sabe dos limites que temos hoje. Para o próprio acompanhamento e fiscalização do Congresso, ter uma ferramenta com mais eficiência na aferição do que é realizado pelo governo é melhor. Vamos tentar demonstrar que isso pode ser melhor para quem executa e para quem fiscaliza.
Valor: Por que a nova concepção do PPA melhora o monitoramento?
Miriam: Em primeiro lugar, porque passaremos a trabalhar com os grandes aglomerados. No planejamento, teremos um grande ganho pois veremos consistência. Tiraremos, em primeiro lugar, a superposição. Em segundo lugar, poderemos avaliar se o que está sendo feito é suficiente para chegar na meta que queremos no período de quatro anos. Do ponto de vista de planejamento, esse método nos dá muito mais instrumentos. Não vamos perder o detalhe, mas vamos poder acompanhar um conjunto de projetos. Isso é que dará, de fato, impacto sobre a situação que queremos alterar. Teremos capacidade de ter indicadores melhores do que temos hoje, pois serão indicadores agregados e não só indicadores individuais por programa.
Valor: A ideia é ter uma visão do conjunto das iniciativas que estão sendo adotadas para um determinado tema?
Miriam: É, mas sem perder também o que temos hoje. Vamos continuar fazendo a avaliação de programas individuais, mas teremos também condições de avaliar um conjunto de ações relativas às crianças. É uma outra versão daquilo que falamos no começo. O país é outro, as políticas são outras e os instrumentos também têm de ser outros. O ciclo orçamentário muda e os mecanismos de gestão também devem mudar.
Valor: A sra. já apresentou esse modelo para os ministérios?
Miriam: A gente deflagrou hoje (ontem) o trabalho com os secretários-executivos dos ministérios e com os subsecretários de Planejamento e Orçamento. O compromisso é de que haverá o envolvimento da alta direção dos ministérios nessa construção.
Valor: Quando a sociedade vai analisar esse novo PPA?
Miriam: Vamos trabalhar com dois grupos de atores: sociedade civil e entes federados.
Valor: Esses 60 programas podem aumentar, então, dentro dessas discussões setoriais?
Miriam: Nós vamos escutar. Hoje mesmo fizemos uma discussão com os ministérios e surgiram várias sugestões que nós vamos incorporar. Aqui também vamos fazer um processo de escuta, uma parte será incorporada, outra parte não será.
Valor: Vocês estão pensando em colocar no PPA também os investimentos previstos para o setor privado, como vocês fazem com o PAC?
Miriam: No PPA atual, alguns desses investimentos são tratados como operações especiais, pois decorrem de créditos de bancos públicos e de fundos. A partir do novo modelo, será discriminado o volume de recursos proveniente dos bancos oficiais, que ofertam grandes volumes de créditos para o setor privado.
Valor: Os projetos do PPA atualmente são financiados basicamente com recursos do orçamento fiscal.
Miriam: Eventualmente você tem as estatais entrando como operações especiais. Vamos começar a ver melhor o que está sendo aplicado. No governo anterior, as vezes o presidente Lula pedia "eu quero saber quanto a gente despendeu em determinada área". Não tinha, por exemplo, os dados dos bancos oficiais. Além de ter que pedir para os ministérios a gente tinha de pedir para os bancos. Aqui é um jeito de a gente começar a construir isso de maneira centralizada.
Valor: Em Jirau, o setor privado tem investimentos pesados. Esses investimentos entrariam no PPA?
Miriam: Só se forem financiados por intermédio de bancos públicos ou feitos por estatais.
Valor: Como está a parceria com o empresário Jorge Gerdau para a criação do Fórum de Gestão Governamental?
Miriam: Estamos finalizando o decreto para criação da Câmara de Gestão, que vai ser o espaço de discussão estratégica do assunto de gestão dentro do governo, com participação de representantes do setor privado que têm experiência nessa área, dentre eles o dr. Gerdau. O decreto deve sair nessa semana ou na próxima e é possível que a presidente Dilma já convoque a primeira reunião. O dr. Gerdau tem um enorme respeito do governo, a presidente Dilma tem uma relação pessoal antiga com ele, então ele será um interlocutor privilegiado nessa área.
Valor: Há outras frentes para aumentar a eficiência da máquina?
Miriam: Temos a parceria com a Fundação Getulio Vargas para analisar as folhas de pagamentos. Estamos juntando uma leque de ações para trabalhar de forma mais efetiva essa questão.
Valor: Essa auditoria da FGV já foi contratada? Tem prazo para o trabalho ser feito?
Miriam: Primeiro a gente achava que iria conseguir contratar no guarda-chuva da Fazenda. Analisando melhor o convênio entre a Fazenda e a FGV, percebemos que só uma primeira etapa poderia ser coberta por aquele convênio. Estamos trabalhando para adiantar aquele convênio enquanto esperamos para contratar o resto.
"Há quanto tempo não se faz obras do porte das usinas de Jirau e Santo Antonio?"
Valor: A senhora poderia explicitar um pouco mais os objetivos dessa parceria?
Miriam: Queremos fazer uma análise criteriosa de todos os componentes da folha de pagamento. Foi feita uma auditoria especial nas universidades porque a gente identificou em alguns Estados a extensão de benefícios individuais para benefícios coletivos. Esse é um dos itens da folha de pagamentos.
Valor: O governo lançou um programa ambicioso de ajuste fiscal que prevê cortes de R$ 50 bilhões. Mas as notícias mostram que o custeio está crescendo mais do que os investimentos. O que a sra. diz dessas informações?
Miriam: Acima de tudo, elas são parciais. Os efeitos já estão se realizando. Há um engano de como as pessoas veem a questão dos investimentos. A maior parte dos restos a pagar do PAC está sendo realizada este ano. É aquele eterno problema de obras plurianuais com orçamento anual. A única maneira de a gente não parar no início do ano é inscrever como restos a pagar e continuar fazendo a obra. Há um engano encarar isso como uma herança da gastança do presidente Lula em ano eleitoral.
Valor: Por quê?
Miriam: Como o PAC não tem contingenciamento, tudo o que foi realizado no ano passado foi pago. Se você for olhar a curva é a mesma do ano passado. Temos a tranquilidade que a prioridade da presidente Dilma são os investimentos. A gente preservou completamente o PAC e fizemos um reajuste de 14% no Minha Casa, Minha Vida porque ainda não foi aprovado no Congresso e nossa previsão é termos oito meses de programa. Vamos continuar aumentando os investimentos.
Valor: O governo tem um problema até o dia 30 que é o decreto cancelando os restos a pagar de 2007, 2008 e 2009. Já há uma definição sobre isso?
Miriam: Estamos ainda discutindo. Esses restos a pagar deveriam ter caído em dezembro. Nós prorrogamos até abril justamente para fazer uma análise criteriosa. Fizemos um levantamento rigoroso da situação de cada um desses restos a pagar. É preciso lembrar que o PAC está fora, saúde está fora, 2010 também não é abrangido pelo decreto. Acho que estamos caminhando para termos uma proposta. Não tenho condições de adiantar nada nesse momento.
Valor: Como a grande gestora do PAC, como a sra. vê essas greves em Jirau e Santo Antônio? As centrais sindicais acusaram o governo de não ter se preparado para o impacto dessas grandes obras nos pequenos municípios.
Miriam: Para os grandes investimentos, não fizemos apenas um licenciamento ambiental, mas um licenciamento sócio-ambiental. Não tivemos todo o sucesso que gostaríamos, mas foi a primeira vez que o governo conseguiu trabalhar para antecipar problemas. A gente conseguiu equacionar uma série de questões. Não todas, evidentemente. Eu visitei as obras das duas usinas em setembro. Ali ainda não há um diagnóstico muito claro do que provocou esse estopim. As situações são diferentes nas diversas obras. Tem um problema de gestão das empresas, essas obras são muito grandes e não tem uma empresa só no funcionamento. Em Jirau são pelo menos 13 empresas trabalhando na obra. Houve uma certa debilidade na coordenação. Se você pagar R$ 1 a mais por uma função semelhante ou a cesta básica de um for maior do que outro, gera insatisfação.
Valor: Só o setor privado falhou?
Miriam: Eu costumo dizer que no PAC todo mundo está reaprendendo a fazer obras de infraestrutura – nós do setor público e também o setor privado. Há quanto tempo não se faz obras desse porte? Uma parte das pessoas que viveram Itaipu não estão conduzindo esse processo. Vinte mil pessoas é como um navio, qualquer coisa vira um motim. Ter essas obras em andamento é um fundamental para o país e nós estamos reaprendendo a lidar com isso.
Valor: O governo foi eficaz para sanar essa falta de experiência?
Miriam: O governo chamou todos os envolvidos, identificou os problemas. Eu encaro as coisas dessa maneira. Não dá para voltar atrás. Vamos continuar fazendo isto e temos que enfrentar as dificuldades novas, tanto do governo quanto do setor privado.
Veículo: Jornal Valor Econômico
Edição: 2736.
Editoria: Brasil.
Página: A5.
Jornalistas: Ribamar Oliveira Paulo de Tarso Lyra, de Brasília.